sexta-feira, 26 de julho de 2013

Apenas um playboy latino-americano

Ana Vargas











Conta a lenda que um  dia, o avô do playboy o chamou e lhe deu um ultimato: é agora ou agora. 

Foi o avô - personagem mais que mitificado e idealizado da história do estado e do país do playboy e figura, portanto, já cativa do imaginário popular _ quem abriu caminho, desbravou terrenos pedregosos e praticamente o levou (quase) intacto aos altos cargos que ele passaria a ocupar desde então.

Foi por meio da figura quase santificada desse avô que, ainda por cima, estava à beira da morte (nada mais pungente e capaz de cegar multidões do que isso) que ele, o playboy, chegou ‘lá’.

Que se saiba, questões que costumam  sensibilizar aquele tipo de gente que se envolve em política porque quer mudar o mundo (ainda que isso signifique quase sempre, vã ideologia e ainda que a gente saiba o quanto isso costuma mudar quando tais pessoas conseguem tal coisa) nunca pareceram ser importantes para ele, o playboy.


E nem poderia ser diferente, afinal, já que o dito era filho, neto e bisneto da mais elitista oligarquia. 

Ora, você dirá: se é elite só poderia ser oligárquica; sim, mas o tipo de elite que produziu o playboy em questão, é a elite da elite, entendem?

Essa elite é daquele tipo que tem raízes tão profundas e arraigadas que se perdem na noite dos tempos e das histórias que originaram o estado  no qual se passa essa lenda.

Um lugar que ainda pode  se orgulhar (se for o caso) de suas manifestações artísticas, principalmente, daquelas que resistem por força e apreço do seu povo (e somente por isso), de suas paisagens deslumbrantes e de seus casarios coloniais e etc., mas que não tem motivo nenhum para se orgulhar do tipo de política que vem há anos, sendo cometida por seus... políticos*.

Um tipo  que produziu pessoas como o playboy que, apesar de ter ocupado os mais altos cargos do estado no qual nasceu (lembrem-se: não por competência pessoal, mas sim, por questões familiares, oligárquicas e míticas) exerceu de forma esquecível (para dizer o mínimo) todas as suas funções públicas nas quais esteve à frente.

Culpado? 



Mas que culpa o playboy tem? 

Nenhuma, na minha  desnecessária opinião. 

Não é o fato de ter nascido nessas condições privilegiadas que o tornam pior do que qualquer outro político. Ninguém pode ser acusado disso e daquilo porque nasceu rico  ou qualquer coisa do tipo.

Não. Nunca. Nada disso.

Qualquer jovem que tenha nascido em famílias oligárquicas de qualquer estado do país do playboy já está com seu futuro político (ou não político) delineado por parentes zelosos que ocuparam, ocupam ou ocuparão cargos nesse setor. Isso parece ser quase um caminho natural e, além do mais, não se mexe em time que está ganhando, não é mesmo?

Agora, faça um exercício fantasioso: imagine esse cara, digo, esse playboy, lá nos idos da década de 1980, surfando nas praias de uma cidade maravilhosa e podendo somente curtir a vida ( já que não precisava se preocupar em ganhá-la) e tendo que, de uma hora para outra, assumir um papel no circo da política que se armava lá, entre as montanhas do seu rincão natal?


Um playboy ... e só


Pois o  tempo passou nessa historiazinha e também fora dela: o país do playboy mudou um pouco e foi até elevado à condição de 7º economia do mundo, o que é algo – para quem passou aperreios como desemprego e financiamentos ali nas décadas de 80 e 90 e suou para ter alguma coisa na vida - verdadeiramente comemorável.


Tanta coisa aconteceu no país  no qual o playboy nascera – houve até o impeachment de uma criatura mais ou menos parecida com ele, depois ocorreram alguns abalos econômicos, alguma estabilização houve até o caso de um ex- metalúrgico que chegou a se eleger presidente - coisas que parecem até invencionices de um escritor a la García Márquez.


 Mas nada disso parecia ter transformado o playboy dessa lenda em pessoa consciente de seu país e de seu tempo. Protegido pelos tantos padrinhos políticos que (talvez) devessem favores ao seu avô; ele seguia seu caminho  como dizem, na maciota, e chegou até ocupar o mais alto cargo público do seu  estado. 


Ah, é preciso dizer que o playboy era devidamente blindado pela imprensa local de seu tempo e isso sempre o ajudava muito.


E a luta continua...


Assim  o playboy continuou ocupando cargos públicos que lhe conferiam além das regalias habituais,  o direito de dizer qualquer bobagem. 

Qualquer uma mesmo. 

Bastava que ele se propusesse a falar sobre qualquer assunto para que um séquito de bajuladores se fizesse presente.

No entanto, mostrar serviço, que é bom, nada: se a gente fosse procurar na carreira do playboy algo que tivesse sido feito, para quem sabe, demonstrar alguma preocupação social ou cultural ou algo assim, não encontraríamos nadinha, nada, nem com uma lupa.

Agora, se fôssemos procurar saber dele em revistas de sub-celebridades, muito comuns naquele tempo, aí, sim: o encontraríamos lá, sempre 'curtindo a vida adoidado',  como naquele filmeco dos anos 80...


Esse playboy lendário, dizem que ele existiu e dizem que ele até sonhava em ser presidente de seu gigantesco país.

 Na real...


Mas, do lado de cá, no mundo real, a gente sonha e deseja e aspira com fé, que tudo isso não passe de história inventada e inofensiva.

Tem gente que acha que ele, o playboy, deve ser apenas isso (o que sempre foi): um cara bem nascido que pode simplesmente, viver dos lucros que seus antepassados deixaram e só. E ponto.

Pois é ou não, deveras horripilante pensar que esse playboy poderia (poderá? Tudo é às vezes tão bizarro) ser presidente de um país que agora sim (e apesar de tudo) está conseguindo se manter (mais ou menos) de pé.

Torçamos todos nós, criaturas distantes do mundo de curtições do playboy inventado dessa lenda, para que ele fique somente lá, no país  que lhe foi dado viver por obra e graça e dos que vieram antes dele.

E que ele seja muito feliz lá  e que suas delirantes aspirações políticas não se realizem, quer dizer, não aqui, no mundo real: um mundo, como se sabe, bem distante daquele que o playboy conhece.


*Como sabemos, o fenômeno é nacional e ainda, deve haver exceções, sim; mas estes não devem aparecer muito (infelizmente).







Amenidades: imagens do frio nessas bandas das Geraes: 



Represa Bortolan....

Um pôr do sol...


Entre morros...

De manhã...


















sexta-feira, 19 de julho de 2013

O tal 'nu orgânico': ingenuidade ou coragem?







Ana Vargas






Todos nós nascemos sob o peso massacrante de variados dogmas e, apesar de nossa época ser (parece) o tempo do desmoronamento dessas tantas teorias (sociais, políticas, econômicas, culturais)  é certo que outras estão nascendo com vigor.

Se melhores ou piores ou semelhantes, saberemos quando olharmos para trás, daqui a uns vinte ou trinta anos (ou alguém acha que, por exemplo, os revolucionários anos 60, foram à época, vistos como ... revolucionários? Ah, sim: as mulheres queimaram sutiãs para se ‘libertar’, mas hoje as filhas e netas daquelas mulheres dizem sentir saudade de quando eram apenas mulherzinhas e podiam ficar em casa esperando pelos maridos. Nada contra esse pensamento, apenas uma reflexão).


Pois, me lembrei disso ao ver essas moças* fazendo apologia do tal ‘nu orgânico’: lá estão elas, nuas e ‘orgânicas’ (rs) deixando-se fotografar e deixando que a mídia impressa e televisiva e virtual (pois que tudo é uma coisa só agora) apreenda todos os ângulos de seus corpos... orgânicos.

Quanta coragem! Ou seria somente ingenuidade? Ou seria apenas curtição?




Defeitos? Sim!


Uma atriz fala que tem ‘um monte de imperfeições’ enquanto  conversa despreocupada com o repórter; da mesma forma a professora de Yoga e a designer...Todas parecem muito à vontade com seus corpos normais, de mulheres normais; todas aparentando ares alegres e divertidos... E, se há estrias, celulites ou qualquer outra anomalia (porque é assim que os que gostam de padrões veem estes detalhes) não parecem causar incômodo nenhum.

Ali, tudo se aceita e (quase) se venera.

Uma figura muito importante, importantíssima eu diria (no contexto de um mundo torto), aparece lá pelas tantas: um ex-editor da afamada “Playboy’. Aquela revista símbolo da padronização das formas femininas, aquela revista criada por um cara com pinta de boêmio que tem a idade do meu pai (mais de 90) e se casou, há pouco, com uma loura de menos de 30.

Pois, o ex-editor da tal revista fala de padrões, de mulheres retocadas (mas não tanto quanto hoje com o uso abusivo do photoshop) para que pudessem estar lá, naquelas páginas, e aí se mostram centenas de capas com algumas mulheres  famosas de outrora que estiveram ali no distante século passado.


Dois mundos inconciliáveis, eu diria: um de mulheres normais, desse século, que tiram a roupa e se deixam fotografar sem retoques; outro de um tempo que hoje me parece remoto, em que para exibir seus corpos numa revista, as mulheres precisavam estar ‘dentro’ de um padrão de beleza que quase sempre era assim: corpo torneado, nem muito magra, nem muito gorda, mas estrias e celulites, nem pensar: tais coisas deveriam ser encobertas com muuuuuita maquiagem (já que naquele tempo os recursos tecnológicos eram menos poderosos).

Mas como não somos bobos nem nada, a gente sempre soube que aquelas mulheres da revista não eram deusas (bom, meu irmão comprava a dita cuja e como eu achava que tinha que ler tudo...) e estavam sim, apenas revestidas de ideais (atemporais e ao mesmo tempo transitórios) como fama, riqueza, glamour e por aí afora. 

Ou seja: tudo que sempre existiu e existe desde sempre, tudo que inebria e ilude o incauto que vê  tais imagens e pensa que aquilo ali é real.





 A beleza perfeita: um mito





E bem lá no centro disso tudo está a beleza: tantos filósofos e sábios e leigos falaram sobre a beleza, tantos artistas pintaram mulheres que se tornaram símbolos de uma época por serem consideradas belas.


A beleza: essas moças – organicamente nuas  - se deixam fotografar assim porque se acham belas, querem mostrar ao mundo que bancam a beleza que tem e isso é louvável.

 Como seria bom se o mundo fosse um lugar dócil e que acolhesse variados pontos de vista (e de beleza, claro), mas, não é assim que é...


Na verdade, o mundo sempre me pareceu um lugar como uma empresa na qual é preciso que haja processos e padrões para que se produzam – por exemplo – parafusos ou carros e alimentos; nós, humanos, também somos constantemente enquadrados para que possamos ‘caber’ em certas teorias já existentes e de fácil assimilação. 

E isso começa desde o útero, eu diria até, que isso deve estar fixado em nosso DNA rs.


Assim – em relação à beleza - por mais que se diga o clichê-mor  ‘toda mulher é bonita’ ou que os mais rebeldes digam que padrões de beleza não existem e que tudo se aceita e se acolhe e todos viveremos felizes para sempre...


De minha parte, não acredito nem de longe nisso, mas é justamente por isso que admiro gente com a coragem (ingênua e  demasiadamente humana) dessas mulheres.

Padrões...padrões...



Num mundo repleto de padrões limitantes e limitados; a beleza feminina ainda é talvez, aquela que impulsiona de forma mais eficaz,  a existência de anomalias crescentes  como o tal consumismo desenfreado (via mercado da moda, publicidade etc.);  a ampliação de ideais inatingíveis que fazem com que meninas passem fome para serem modelos e mulheres ‘normais’ morram em cirurgias plásticas (que foram parceladas a se perder de vista) enquanto médicos execráveis lucram cada vez mais.


Eu acho que a exposição de um corpo imperfeito de mulher tem o poder de transformar em poeira muitas ideologias (machistas, sobretudo, mas também feministas e manipuladoras e rasas) que oprimem as mulheres mundo afora e por esse lado, continuo a louvar a coragem de quem se expõe assim, sem medo (e sem photoshop!).



Mas eu também penso que esse nosso vasto mundo (como diria o poeta) continua produzindo terrivelmente,  cenários bizarros de desrespeito, sofrimento e degradação e, nesse sentido, uma mulher que se expõe assim, tem tanto de louvável coragem quanto de tola ingenuidade**. 


Agora, me lembrei daquele cara que se colocou na frente de tanques de guerra, em 1989, lá na Praça da Paz Celestial:ali ele estava sozinho contra muito mais do que aquele tanque; havia (há) o contexto de um país que não respeita os direitos humanos e age de modo ditatorial há séculos e tudo isso ainda o elevou à maior potência desse mundo torto.


Pois essas moças, sorridentes e despreocupadas e se expondo dessa forma, mesmo que elas nem tenham pensado nisso (como imagino que seja o caso) agem como aquele chinês, e nisso elas são admiráveis ainda que ingênuas e meio tolas (mas isso é perdoável).



* O vídeo está no You Tube, basta colocar 'nu orgânico' que aparece a reportagem da Folha.


** Recomendo a leitura dessa matéria que saiu no Estadão sobre as mulheres egípcias. É revoltante ver o quanto daquele lado do mundo as mulheres não atingiram sequer o status de seres que merecem respeito. É claro que em muitos lugares isso ainda acontece (aqui no Brasil mesmo, em alguns rincões) mas eu vou sempre me revoltar contra esse tipo de situação.
Taí a matéria:

sexta-feira, 12 de julho de 2013

UM TEMA TABU


Ana Vargas

Acontece que o caso recente dessa moça deixou no ar as mesmas e tão velhas perguntas sem resposta. Eis algumas: como uma pessoa que tinha uma vida pela frente e era bem sucedida e além do mais, era tão bonita e etc. pôde fazer uma coisa dessas?  E o caso dessa moça veio, naturalmente, trazendo a tona os mesmos questionamentos que a gente tem quando se vê diante de coisas assim, aparentemente, sem explicação.
Falo sobre um tema tabu: o suicídio.
Pois, motivada por mais esse caso  fui pesquisar sobre e fiquei sabendo que Dores do Indaiá, a cidade na qual nasci, ali no oeste das Gerais, ocupa a 20º posição no ranking nacional desse tipo de ocorrência. *
Mas nem precisava um estudo – embora a confirmação científica  de tais fatos seja importante – para que eu saiba, como sempre soube, que há uma ‘coisa’ bem  triste ali para os lados do Indaiá.
 Naquele lado de Minas que, para quem não sabe, é segunda região mais pobre do estado (se é que isso tem alguma importância) perdendo apenas para o norte; suicídios são ocorrências tão banais que apesar de causarem (sempre) uma onda de comoção, são logo esquecidos até que o da semana ou do mês seguinte venha causar o mesmo rebuliço na comunidade.
“O que fazer,  o que poderia ter sido feito? Como isso pôde acontecer?”: são as perguntas que pais e mães e todos, enfim, se fazem, insistentemente, mas, tais perguntas apenas ecoam  e retornam do vácuo, inexplicáveis como tantas outras desse nosso mundo complicado.
O fato é que cresci em meio às variadas histórias de suicídios que eram quase semanais, lá pelos idos dos anos 1970, durante minha infância. Numa cidade pequena notícias como essas literalmente voam, e todo mundo (e não há, que eu saiba, como escapar disso e isso é inclusive, contagiante) talvez numa vã tentativa de entendimento, fala sobre o caso  até a exaustão absoluta.
Já vi esse filme macabro tantas e tantas vezes: me lembrei dos filhos de duas vizinhas – um na década de 1970, prestes a se casar; o outro, na década de 1980, também na mesma situação – do irmão adolescente de uma amiga, de uma criança (sim) de apenas 13 anos, nos anos 1990; me lembrei de tantos parentes que fizeram isso (e foram muitos); de uma moça tão simpática e doce e bonita que se enforcou, isso num tempo em que eu achava que bastavam essas qualidades para que alguém fosse ‘feliz’, lá pelos meus doze anos. Houve também o caso de um idoso de 80 e poucos anos, casado há 60, que se irritou com a pergunta da esposa e o resto, deixo que vocês imaginem. No ano passado também perdi uma pessoa com qual dividi a infância e adolescência, dessa mesma forma.
Tudo isso me fez lembrar que antigamente – hoje já parei com esses passeios – eu gostava de ir ao cemitério.

E, não: não se tratava de ir para ficar lá zanzando como alguns jovens fazem como que para cultivar um lado dark  ou coisa parecida. Ir lá, ao contrário, tinha o poder de me animar, de fazer com que eu me sentisse mais preparada para os embates da vida do lado de cá (porque para mim a vida sempre pareceu mais um campo de batalhas do que qualquer outra coisa).

Então, nós íamos – eu e alguns amigos mais íntimos – para visitar o túmulo do avô ou da avó, ou daquele tio de quem se gostava tanto, e quase sempre a gente se deparava, naturalmente, com os túmulos daqueles que haviam decidido sair por conta própria dessa brincadeira (?) tormentosa e também feliz (quando se sabe viver) que é a vida. Tanta gente de 17 ou 18 anos que havia feito isso. Alguns eram nossos colegas de classe e pareciam, inclusive, bem felizes com a vida que levavam.
 Mas, voltando: outra coisa que nos levava até aquele lado da cidade era mais poética: lá, na ingenuidade dos nossos tempos adolescentes, a gente gostava de ir ver o sol ir embora porque ali, atrás do cemitério de Dores, entre um mar de montanhas, a visão era (é) magnífica.







Aqui só sobrou o 'rastro' do sol que se foi...É o céu de inverno aqui no sul de Minas.
 
Essa era nossa desculpa para aqueles (tantos) que nunca entendiam o que íamos fazer na ‘avenida da saudade’: pois então, era para ver o sol se despedir do mundo, se agarrando à terra com força, como que, sangrando sobre a cidade.
 
Era bonito de se ver.
Pois, sei lá porque, foi disso tudo que me lembrei quando soube de mais esse caso de pessoa jovem e cheia de vida que desiste da... vida.

“Por que”?

Como sempre, a pergunta volta à tona nas mentes  mais racionais e encobre algumas questões que afetam sim, as pessoas mais sensíveis ou mais dadas à melancolia ou aquelas que simplesmente, não querem mais ficar por aqui, ainda que o motivo para isso seja quase sempre banal (aos olhos dos outros).
De minha parte, eu acho que seria perfeito se cada pessoa guardasse dentro de si como pedra de toque, a certeza de que, não importa o que ocorra ‘fora’, é o dentro que vai mantê-la de pé; mas acontece que alguns de nós têm raízes fracas ou fincadas em solo arenoso e aí qualquer vento é vento bravo.
Tem gente que diz achar que quem se mata é covarde, mas eu tenho minhas dúvidas. Acho, ao contrário, que é preciso muita coragem para sair da vida, talvez a mesma requerida para se atirar de um trem em movimento, talvez seja como se jogar de um edifício ou de uma ponte. Desistir da vida, desapegar-se dela, por raiva ou frustração, é difícil e requer uma ‘coragem’ que imagino, deve ser feita de grande confusão mental, uma centena de sentimentos negativos, peçonhentos, ruins.
Nessa história toda - por me lembrar da moça do começo do texto quando ela era uma graciosa menininha de três ou quatro anos -  eu fiquei pensando que a dor de quem fica deve ser tão insuportável quanto a que ela deve ter sentido a ponto de fazer tal crueldade consigo mesma.
E de dor em dor; seja a dor de quem parte assim, rompendo por conta própria o laço que o mantém vivo – o que os espíritas chamam ‘perispírito’ – seja a dor grandiosa de quem fica a contemplar a ausência feita, penso, de mil dúvidas e sentimentos de culpa e coisas não ditas; penso ainda, que seria bom, se alguém (?), talvez um estudioso, um especialista ou um religioso, se dispusesse a explicar porque em alguns lugares como minha cidade natal, ali no oeste de Minas, tanta gente (jovem, idosa, rica, pobre, negra, branca, simpática, carrancuda, feia e bonita e etc.) se suicida.
Realmente, esse é um mistério que paira sobre aquela cidade na qual nasci e parece se renovar (infelizmente) a cada ano que passa.

* O dado é do Mapa da Violência de 2011, publicação do Instituto Sangari .

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O povo, de surpresa, veio ver o Brasil


Ana Vargas


O povo visto do alto parece formiga- correição, o povo enquadrado  do alto pelas câmeras de TV (e os repórteres parecem temerosos) ‘escorre pelas ladeiras’ ¹ e forma uma massa quente e pulsante que parece lava de vulcão.
Dizem que ‘o povo’ acordou. Dizem até que esse povo que dormia em berço (você sabe o resto...) agora sim, será Povo – com P maiúsculo – povo que merece apreço e respeito por parte dos que o governam.
O povo: a coisa foi tão assustadoramente grandiosa que desnorteou todo o resto ou melhor, todos aqueles que parecem estar aqui nesse país como quem olha o tempo todo (e há muito tempo é assim) lá para longe, para outros cantos do mundo.
É: por que existem aqui tipos diferenciados de povo: existe o povo povo mesmo que é formado pela maioria de nós que compomos a massa anônima que vive em cidades grandes, medianas ou pequenas; e se preocupa com a segurança pública, o desemprego, a alta dos alimentos; que gosta ou não de futebol, rock’n roll ou samba e MPB; que assiste novelas e filmes iranianos ou franceses (e finge que gosta rs ou não) e que se revolta com a corrupção política, acadêmica, televisiva e/ou  profissional (porque isso não existe só  nas câmaras e congressos da vida) e etc.
Pois, engendrado nesse povo também estão aqueles nossos iguais que – não importa a idade que tenham – ainda sonham com um pais melhor e entre estes há pessoas que tem  de 17 a 70 anos e há mulheres, homens, homossexuais, gente do bem e do mal, gente legal e gente que só veio (pra rua) para ‘ver e ser visto’, pra quebrar aquela porta da loja ou da banca (esses são como aquele povo que em momentos de desgraça alheia vão ver o que dá pra aproveitar dali) ou pra se enrolar numa bandeira que nunca significou nada assim, de importante.
 
O povo é uma fotografia de um bilhão de pixels vista bem de longe e o povo é essa mesma fotografia aproximada a uma distância que permita que cada um desses pixels cresça a uma proporção verdadeiramente real , terrivelmente assustadora e profundamente tocante.
O povo assim emociona mas também mete medo.
O povo, assim crescido, ampliado, mostrando todas as suas tantas frustrações e submissões, assim de repente, afloradas no rosto e nos gestos e nas vozes e na disposição de andar e andar subindo viadutos, atravessando avenidas largas e praças enormes...
...pois esse povo apolítico, avesso a ONGs e sindicatos e agremiações², sem bandeiras pré fabricadas por quaisquer marqueteiros e sempre visto com desdém por certo tipo de povo que dizem, manda no país (e não falo só dos políticos); esse povo que não possui liderança e que parece carregar consigo simplesmente o desejo velho, remoto e tão ignorado de ser lembrado, apenas isso: de ser lembrado...
...pois esse povo saiu às ruas e se fez notar.
Apenas isso: se fez notar (e aí reside o grande feito).
Para além de toda e qualquer discussão antropológica, sociológica, filosófica, política, poética, jornalística (e suas várias implicações e manipulações) que seja capaz de fixar esse evento no caudaloso fluxo da história...
...eu que nasci nesse país no fim dos anos 60 e serei lembrada, portanto, como  talvez, uma jovem senhora do começo do tempo das redes sociais e das mídias digitais e das tantas novas formas de se estar vivendo que surgem a cada nano instante...
...então, eu fiquei por fim, feliz (mas antes eu também fiquei assustada) porque acho que ‘algo’ aconteceu. Algo tão absurdamente grandioso e tão genuinamente belo que pela primeira vez (pelo que me lembro) tive certo orgulho (embora deteste essa palavra) por fazer parte disso: por ser povo e por ter nascido nesse lugar chamado Brasil.
E agora é esperar pra ver se tudo isso vai (efetivamente) resultar em melhorias para todos nós: povo.
 

1-    Pedindo licença ao ‘Clube da Esquina’...
2-    Sugiro a leitura desse artigo escrito no Observatório da Imprensa: