sexta-feira, 19 de julho de 2013

O tal 'nu orgânico': ingenuidade ou coragem?







Ana Vargas






Todos nós nascemos sob o peso massacrante de variados dogmas e, apesar de nossa época ser (parece) o tempo do desmoronamento dessas tantas teorias (sociais, políticas, econômicas, culturais)  é certo que outras estão nascendo com vigor.

Se melhores ou piores ou semelhantes, saberemos quando olharmos para trás, daqui a uns vinte ou trinta anos (ou alguém acha que, por exemplo, os revolucionários anos 60, foram à época, vistos como ... revolucionários? Ah, sim: as mulheres queimaram sutiãs para se ‘libertar’, mas hoje as filhas e netas daquelas mulheres dizem sentir saudade de quando eram apenas mulherzinhas e podiam ficar em casa esperando pelos maridos. Nada contra esse pensamento, apenas uma reflexão).


Pois, me lembrei disso ao ver essas moças* fazendo apologia do tal ‘nu orgânico’: lá estão elas, nuas e ‘orgânicas’ (rs) deixando-se fotografar e deixando que a mídia impressa e televisiva e virtual (pois que tudo é uma coisa só agora) apreenda todos os ângulos de seus corpos... orgânicos.

Quanta coragem! Ou seria somente ingenuidade? Ou seria apenas curtição?




Defeitos? Sim!


Uma atriz fala que tem ‘um monte de imperfeições’ enquanto  conversa despreocupada com o repórter; da mesma forma a professora de Yoga e a designer...Todas parecem muito à vontade com seus corpos normais, de mulheres normais; todas aparentando ares alegres e divertidos... E, se há estrias, celulites ou qualquer outra anomalia (porque é assim que os que gostam de padrões veem estes detalhes) não parecem causar incômodo nenhum.

Ali, tudo se aceita e (quase) se venera.

Uma figura muito importante, importantíssima eu diria (no contexto de um mundo torto), aparece lá pelas tantas: um ex-editor da afamada “Playboy’. Aquela revista símbolo da padronização das formas femininas, aquela revista criada por um cara com pinta de boêmio que tem a idade do meu pai (mais de 90) e se casou, há pouco, com uma loura de menos de 30.

Pois, o ex-editor da tal revista fala de padrões, de mulheres retocadas (mas não tanto quanto hoje com o uso abusivo do photoshop) para que pudessem estar lá, naquelas páginas, e aí se mostram centenas de capas com algumas mulheres  famosas de outrora que estiveram ali no distante século passado.


Dois mundos inconciliáveis, eu diria: um de mulheres normais, desse século, que tiram a roupa e se deixam fotografar sem retoques; outro de um tempo que hoje me parece remoto, em que para exibir seus corpos numa revista, as mulheres precisavam estar ‘dentro’ de um padrão de beleza que quase sempre era assim: corpo torneado, nem muito magra, nem muito gorda, mas estrias e celulites, nem pensar: tais coisas deveriam ser encobertas com muuuuuita maquiagem (já que naquele tempo os recursos tecnológicos eram menos poderosos).

Mas como não somos bobos nem nada, a gente sempre soube que aquelas mulheres da revista não eram deusas (bom, meu irmão comprava a dita cuja e como eu achava que tinha que ler tudo...) e estavam sim, apenas revestidas de ideais (atemporais e ao mesmo tempo transitórios) como fama, riqueza, glamour e por aí afora. 

Ou seja: tudo que sempre existiu e existe desde sempre, tudo que inebria e ilude o incauto que vê  tais imagens e pensa que aquilo ali é real.





 A beleza perfeita: um mito





E bem lá no centro disso tudo está a beleza: tantos filósofos e sábios e leigos falaram sobre a beleza, tantos artistas pintaram mulheres que se tornaram símbolos de uma época por serem consideradas belas.


A beleza: essas moças – organicamente nuas  - se deixam fotografar assim porque se acham belas, querem mostrar ao mundo que bancam a beleza que tem e isso é louvável.

 Como seria bom se o mundo fosse um lugar dócil e que acolhesse variados pontos de vista (e de beleza, claro), mas, não é assim que é...


Na verdade, o mundo sempre me pareceu um lugar como uma empresa na qual é preciso que haja processos e padrões para que se produzam – por exemplo – parafusos ou carros e alimentos; nós, humanos, também somos constantemente enquadrados para que possamos ‘caber’ em certas teorias já existentes e de fácil assimilação. 

E isso começa desde o útero, eu diria até, que isso deve estar fixado em nosso DNA rs.


Assim – em relação à beleza - por mais que se diga o clichê-mor  ‘toda mulher é bonita’ ou que os mais rebeldes digam que padrões de beleza não existem e que tudo se aceita e se acolhe e todos viveremos felizes para sempre...


De minha parte, não acredito nem de longe nisso, mas é justamente por isso que admiro gente com a coragem (ingênua e  demasiadamente humana) dessas mulheres.

Padrões...padrões...



Num mundo repleto de padrões limitantes e limitados; a beleza feminina ainda é talvez, aquela que impulsiona de forma mais eficaz,  a existência de anomalias crescentes  como o tal consumismo desenfreado (via mercado da moda, publicidade etc.);  a ampliação de ideais inatingíveis que fazem com que meninas passem fome para serem modelos e mulheres ‘normais’ morram em cirurgias plásticas (que foram parceladas a se perder de vista) enquanto médicos execráveis lucram cada vez mais.


Eu acho que a exposição de um corpo imperfeito de mulher tem o poder de transformar em poeira muitas ideologias (machistas, sobretudo, mas também feministas e manipuladoras e rasas) que oprimem as mulheres mundo afora e por esse lado, continuo a louvar a coragem de quem se expõe assim, sem medo (e sem photoshop!).



Mas eu também penso que esse nosso vasto mundo (como diria o poeta) continua produzindo terrivelmente,  cenários bizarros de desrespeito, sofrimento e degradação e, nesse sentido, uma mulher que se expõe assim, tem tanto de louvável coragem quanto de tola ingenuidade**. 


Agora, me lembrei daquele cara que se colocou na frente de tanques de guerra, em 1989, lá na Praça da Paz Celestial:ali ele estava sozinho contra muito mais do que aquele tanque; havia (há) o contexto de um país que não respeita os direitos humanos e age de modo ditatorial há séculos e tudo isso ainda o elevou à maior potência desse mundo torto.


Pois essas moças, sorridentes e despreocupadas e se expondo dessa forma, mesmo que elas nem tenham pensado nisso (como imagino que seja o caso) agem como aquele chinês, e nisso elas são admiráveis ainda que ingênuas e meio tolas (mas isso é perdoável).



* O vídeo está no You Tube, basta colocar 'nu orgânico' que aparece a reportagem da Folha.


** Recomendo a leitura dessa matéria que saiu no Estadão sobre as mulheres egípcias. É revoltante ver o quanto daquele lado do mundo as mulheres não atingiram sequer o status de seres que merecem respeito. É claro que em muitos lugares isso ainda acontece (aqui no Brasil mesmo, em alguns rincões) mas eu vou sempre me revoltar contra esse tipo de situação.
Taí a matéria:

3 comentários:

Ricardo disse...

Os homens tambem aderiram à moda, tambem se expõe nus... acho que não.
então, essas mulheres não são corajosas nem ingenuas. Parodiando o nome de seu blog, eu diria que elas são anti-mulheres, pois estão negando toda a épica luta que as mulheres do mundo todo lutaram, principalmente dos anos 60 para cá.
o século XXI é o século do exibicionismo barato (porque ninguem paga por ele) em que as pessoas se despem - em todos os sentidos - nas redes sociais. Em que pseudo artistas pagam ou simplesmente avisam aos paparazzi que estarão com biquinis diminutos, exibindo o corpão, em tal praia, em tal dia e em tal hora. Em que as mulheres se autodenominam de frutas e se exibem, se expõem... acho lamentavel tudo isso!

Anamaria disse...

Os temas que você escolhe são, normalmente, difíceis de comentar. São assuntos que ficam dias martelando as nossas idéias (com acento porque acho mais "original")! O que penso muitas vezes é que as coisas me parecem tão superficiais nos dias atuais: os sentimentos, as exposições - sejam de idéias ou de corpos, femininos ou masculinos -, pois o se quer de fato é aparecer na mídia. E a mídia, ávida por qualquer matéria (orgânica ou não) que renda "provocações" - em todos os sentidos, estampa sem nenhum critério qualquer assunto. Vê-se que, de fato, em todos os níveis, em todos os setores, o que se quer é estar visível, é aparecer na tela, na capa. É, do meu ponto de vista, a fragilização do "ser" (em todos os sentidos).

Vaness disse...

Concordo com o comentário acima: tema muito difícil para comentar, mas vamos lá.
Temos de um lado a banalização do corpo, a sexualidade desenfreada estampada nas revistas, na TV e etc. Mulheres que se escondem por trás de quilos de maquiagem e photoshop para se encaixar em um mundo que não quer que elas se encaixem...
Por outro temos ativistas que exibem seu corpo por aquilo que acreditam, usando a técnica do 'jogo jogado': se meu corpo é um pedaço de carne, uma mercadoria, pois tomem, fotografem, vejam, não me importo. Mas me ouçam...

Todas essas questões culminam no papel da mulher na sociedade, o qual não tenho a pretensão de analisar nessas linhas diminutas... anos de luta, de preconceitos, de obstáculos vencidos, e ainda nos encontramos patinando sem saber quais papéis ocupamos ou deixamos de ocupar. Acabamos assumindo todos eles, trazendo sobrecarga e, em muitos casos, tristeza para muitas de nós. A luta continua...

Para descontrair: http://chiqsland.uol.com.br/2013/07/hey/