segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sobre mulheres, mães e bebês deixados por aí











Dizem que ser mãe é padecer no paraíso e penso que esse é maior de todos os clichês. Sim: bebês fofinhos são uma dádiva e uma alegria para os nossos olhos adultos tão cansados de coisas feias. Talvez seja a pele corada e lisinha, talvez seja toda aquela luminosidade que nasce da pureza quase palpável que se sente ao tocá-los. A gente tem até receio de ‘contaminá-los’. Se as mães vivessem rodeadas de bebês angelicais a vida seria mesmo esse paraíso, mas bebês angelicais crescem e se tornam, por sua vez,  criaturas que, por vezes, abandonam os filhos em riachos de águas escuras e cheios de lixos ou em calçadas frias. O ciclo da vida é interminável, inclusive na capacidade de produzir bizarrices como essas.


Falar de mães depois do dia delas, depois que todos  nós nos cansamos de comerciais nos quais mães lindas, louras (e esbeltas, claro)  sobre saltos altíssimos, caminham carregadas de sacolas e envoltas pelo (falso) carinho de seus filhos e marido, obviamente perfeitos, é esquisito, mas tentarei.

Primeiro, sei perfeitamente que a propaganda precisa vender e sendo assim tudo está certo: a mães têm que ser lindíssimas e nem de longe devem lembrar as mães reais, aquelas que são, em sua maioria, gordinhas e têm o ar cansado das tantas lidas cotidianas.

Mas é assim que é e pronto. Essas mães a propaganda se encarrega de criar e' resolver' e isso deve estar sendo feito com bastante eficiência porque os shoppings estiveram lotados, como se esperava.

Ah, sim... Bom... Mas e aquelas outras mães? (E aqui entro na segunda parte).

Digo, as mães reais, que se cansam, engordam e emagrecem, têm triplas jornadas de trabalho porque o apartamento financiado em 36 vezes precisa ser pago e o filho do meio carece de tratamento médico e no momento, a família está sem convênio médico e ainda por cima, o marido não ajuda em nada e, depois de um dia extenuante para ambos, o dito cujo passa no boteco, fica lá até não sei que horas e chega em casa dizendo “que estava cansado e que também é filho de Deus e isso e aquilo?”

Então tá.

 A vida é difícil para todos, sejam homens, mulheres ou bebês fofos e puros; mas às mulheres nunca foi concedido  o direito de deixarem de lado as obrigações sociais (e nisto se inclui: estarem sempre belas e magras; serem boas mães, aliás, serem mães; como assim não querer ser mãe, isso não pode não!) de chegarem mais tarde, de se sentarem no sofá e dizerem simplesmente assim: também sou filha de Deus.

Hoje eu não vou entrar nos meandros que fazem com que todos nós, criaturas humanas, vivamos massacrados pelas tantas regras sociais. Todos  somos pressionados por obrigações sociais, morais, econômicas, culturais e etc.

Mas as mulheres são as mais pressionadas, sim senhores!

(Um dia escreverei – sem conhecimento específico de causa, mas com boa vontade, prometo, sobre os homens e as crianças e os idosos e idosas e até sobre os animais. O que não falta no mundo é criatura pressionada e pretendo, além do mais, que este blog seja eterno enquanto dure rs).

A pressão começa logo nos primeiros anos (é preciso começar cedo!) com as centenas de regras morais – e dá-lhe brinquedos como panelinhas e fogões e bebezinhos que hoje até fazem cocô! Nos meus tempos de criança nos idos anos 1970, eles só espirravam e faziam xixi) - e assim as mulheres vão se adaptando do que jeito que dá.

É claro que muitas delas adoram tudo isto, mas não é sobre elas que escrevo. Penso naquelas que queriam outra coisa ou que queriam isso aí mesmo, mas de um jeito menos sofrido. Penso naquelas que se casaram com o cara que amavam e esse cara (massacrado também pelas convenções) se tornou uma criatura que ainda a ama, mas não vê o quanto está sendo difícil para ela suportar o peso da estrutura familiar e de suas tantas regras.

E foi nisso tudo que continuei pensando ao ver mais uma matéria sobre mãe que abandona o filho, mais uma, outra  e, nesse momento, tenho certeza que outra mulher deve estar fazendo exatamente a mesma coisa: deixando sua cria por aí, na calçada, num riacho periférico imundo, numa calçada gelada às duas ou três da manhã.

Mulheres que por razões vastas e complexas – amor e desejo, desejo sem amor, algum desejo, pouco amor  – engravidaram, pariram e não querem ou não podem (e assumem isto  tarde demais) cuidar do bebê fofinho que foi gestado em suas entranhas.

E, é claro, todos apedrejam essas mulheres; todos têm teorias prontas sobre o  quanto elas são odiosas e isto e aquilo.

De minha parte eu, que acho absurdo imaginar uma criança nesses lugares insalubres e horrendos e sujos; lugares nos quais nem os urubus parecem querer estar (caso do último bebê encontrado em um córrego fétido na periferia paulistana) fico pensando que se essas mulheres, essas que abandonam suas crias, gostassem um pouquinho que fosse, o mínimo que fosse,  delas mesmas;  haveriam de saber que ser mãe é sim, uma dádiva, uma coisa (na falta de palavra melhor) tão genuinamente sagrada que, sob quaisquer circunstâncias, seria preciso cuidar deste filhote de gente que chega ao mundo (das pressões e opressões) e que é preciso sim, protegê-lo, como faria, instintivamente, uma leoa,  uma vaca ou a fêmea do canguru australiano.

Mas não são simples assim as relações humanas (quem dera fossem). Enquanto a propaganda cria mães perfeitas e algumas mulheres se ‘matam’ (e tem se matado, todos os dias, as aplicações de silicone em fundos de quintal estão aí para nos provar) para se adequarem ao padrão; há milhares de outras -  talvez menos vaidosas e nem pensando em padrões estéticos -  tendo filhos sem condições de criá-los – tanto financeiras quanto psicológicas – e há outras ainda, que por razões que são impossíveis discutir aqui, engravidam e depois...

Depois, não sabem (simplesmente) o que fazer com aquela criatura humana que já chega ao mundo chorando sem parar porque  expulso daquele lugar (bem ou mal) quentinho e aconchegante e etc. E, não sabendo o que fazer, elas simplesmente o deixam  por aí e se vão, para viver uma vida carregada (ou não) de culpa.

Vão, quem sabe, em busca de um homem com o qual possam dividir horas como essa (a hora da chegada ao mundo da criatura produzida por ambos); vão, fugindo de uma situação que tenderá a se repetir enquanto as mulheres (todas, inclusive as perfeitas, de comerciais, e as demais, imperfeitas e reais,  moradoras e não moradoras das periferias) não olharem para si mesmas, com um pouquinho que seja, de afeto e apreço.

Pois se tudo isso é um paraíso que espera àquelas que desejam, que já são e aquelas que são, a contragosto, mães;  sinceramente, eu tenho muito medo do inferno.

E, apesar  do tom meio amargo, esse post é dedicado – com verdadeiro afeto – à todas as minhas companheiras de gênero (palavra horrível, mas necessária).
(Ilustração: Ricardo Inforzato)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Ê Minas: uma crônica desenredada

Por toda terra que passo
Me espanta tudo o que vejo
A morte tece seu fio
De vida feita ao avesso


O mundo todo marcado
A ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo
A morte é o fim do novelo

O olhar que assusta
Anda morto
O olhar que avisa
Anda aceso

Mas quando eu chego
Eu me perco 
Nas tramas do teu segredo

Acho que todo mundo (?) deve conhecer essa música do Dori Caymmi e do Paulo César Pinheiro. Letra e música são tão bonitas e a melancolia que vai se revelando em palavras como ‘morte’ e ‘desprezo’ é muito necessária: não haveria como ser diferente um poema musicado sobre as Minas Gerais (aliás, queria saber a origem dessa música, o que levou os autores a comporem tão bela canção; mais bela ainda quando se sabe da escassez de boas músicas populares brasileiras hoje em dia).

Foi por isso que me lembrei dessa música numa hora nada apropriada. Não foi olhando pra’s montanhas de Minas enquanto saboreava um pão de queijo genuinamente mineiro (o clichê máximo) e sim quando, na solidão de uma rodovia esburacada às nove da noite, aguardava um guincho para buscar um carro que estava com os dois pneus estourados. Não simplesmente furados, e sim, estourados; tal a condição da estrada em que estávamos.



 
 trecho ruim...

O céu estava que não cabia de tanta estrela (morando em São Paulo, sinto muita falta de vê-las) mas ali, no ermo da BR 354, entre Campo Belo e Candeias, no acostamento estreitíssimo daquela rodovia esburacada – na verdade, não eram buracos e sim, crateras enormes – lugar no qual nenhum celular funcionava (nem Vivo, Claro, Tim e derivados) não havia lugar para romantismo ou poesia. Ali, naquela hora, era possível sentir apenas raiva e revolta e é aqui que talvez  caiba essa estrofe da música que veio na minha cabeça enquanto estava lá, como uma quase ironia: “ O mundo todo marcado/a ferro, fogo e desprezo...”; porque o fato é que nós nos sentíamos verdadeiramente desprezados.

(Ora, mas esse sentimento é tão comum a todos nós, cidadãos deste país, não é mesmo?)


 
...trecho bom


Eu sei que essa história parece sem pé nem cabeça, se lembrar de uma música tão bela na escuridão de uma estrada na qual só passavam caminhões monstruosos e nós lá, encolhidos no acostamento e implorando pela atenção de algum motorista¹ (quem hoje em dia para pra ajudar alguém quando se sabe que a violência é crescente em todos os rincões deste Brasil?).

Pois então (como dizem naquelas bandas) acho que me lembrei da música pelo seguinte: fiquei pensando porque Minas Gerais parece um estado inacabado, em suspensão, um estado ‘quase’; ali as coisas não são, podem vir a ser quem sabe, um dia, mas ainda não são.

E assim é que as rodovias² mineiras são ruins, esburacadas e nesta – BR 354 – tiveram o desplante de fazer o seguinte: há trechos asfaltados e trechos esburacados (veja as fotos e comprove): no Km 532, o asfalto é novo; já do 534 ao 536, as crateras são enormes; mais adiante, asfalto novo, no próximo, as crateras enormes e assim vai se indo (para onde, não sei rs).
...trecho ruim novamente.

Por que isso? Quebramos a cabeça pra tentar entender porque o (des) governo (estadual, federal) autoriza (?) serviços desse tipo. Embora seja uma rodovia federal – e  ‘imagino’ que caiba ao governo federal em conjunto com o estadual e ainda com as prefeituras locais (os vários poderes que todos nós sabemos muito bem como funcionam) o cuidado com as rodovias – o fato de o trabalho de recapeamento ter sido feito assim, de forma descontínua, é algo esquisito, pra dizer o mínimo.

E foi então que fiquei – eu, irmãs e cunhado – olhando para aquele céu tão bonito de Minas Gerais, um céu no qual não havia espaços entre as estrelas, pois eram muitas e muitas e isso era verdadeiramente belo; aguardando o guincho e nisso ia me lembrando da música, me lembrando que Minas é uma terra tão especial que inspirou e inspira tantos artesãos da escrita e da música mas toda essa capacidade de despertar emoções não comove ³  as ‘otoridades’ mineiras. Minas Gerais é um estado grandioso – em muitos e vários sentidos – mas quando se fala em desenvolvimento social e econômico; tudo (espero que haja exceções) parece ainda por fazer, tudo parece estar no aguardo de um tempo no qual as coisas possam se efetivar, se concretizar. Esse jeito mineiro da desconfiança, do esperar pra ver, daquelas piadas tão chatas que circulam na internet e que fazem as pessoas rirem tanto (os paulistas adoram); esse jeito pode até ser ‘engraçado’ e/ou exótico, mas sinceramente, quando a gente se vê abandonado numa rodovia esburacada  dentro do território dessa Minas que poderia ser tanto mas que aguarda o momento (quando?); não é nada engraçado e aí a música do Dori Caymmi faz todo sentido “Ê Minas, é hora de partir...” Vai ver que é por isso que tem tanto mineiro espalhado por esse vasto mundo.

¹ -  Pois é, mas não é que duas boas almas lá de Araxá nos socorreram?! Nunca esqueceremos aqueles dois rapazes que além de pararem, ficaram lá conosco, por duas horas (!!) contando causos e fazendo com que a gente confirmasse nossa esperança na raça humana e claro, no povo de Minas (essa gente que é sempre valorosa e simpática apesar dos governos e desgovernos).

² - Quando se mora em São Paulo por muito tempo – apesar de todos os problemas dessa cidade – a gente se acostuma, pelo menos, à qualidade dos serviços: quando se vai para o interior do estado as rodovias são muito boas (ah sim, e o pedágio é altíssimo, mas tem sua compensação), por isso, que mesmo que eu não queira e nem ache ‘legal’ fazer isto, é inevitável comparar. Sabendo claro, de todas as diferenças culturais que fizeram Minas ser o que é e São Paulo ser o que é. Aqui as rodovias são (muito) melhores e o povo cobra (muito) mais quando o governo não faz o que deveria fazer.

³ - Em Minas vi o comercial do governo mineiro sobre as maravilhas que tem sido feitas e sinceramente, acho que o Anastasia vive em outro planeta.