segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O FAKEBOOK



...parodiando certo comercial "lugar de gente feliz!" 


O facebook seria apenas um painel virtual das hipocrisias humanas ou porque todo mundo acha que é obrigado a ser feliz, hein? (Arte: Ricardo Inforzato)

Falar mal do Facebook é a coisa mais fácil em um tempo no qual tentamos proteger a nossa privacidade já tão devassada devido a razões que vão do controle que é feito pelos governos desde sempre (com a obrigatoriedade dos muitos documentos que precisamos ter, o  pagamento de impostos variados, o dever de votar e de entregar a famigerada declaração de imposto de renda anual e por aí afora)  até a moda já até meio passada (mas infelizmente necessária), de se colocar câmeras em tudo quanto é lugar: nas ruas, nas escolas (até nos banheiros), nos prédios (até os de padrão de médio para baixo), nas empresas, casas, igrejas e etc.

Ou seja: não há ‘privacidade’ que resista.

Mas então eis que um garoto prodígio lá dos States (são quase sempre eles) inventou isso de um lugar no mundo virtual no qual as pessoas pudessem postar suas vidas, digamos assim, para que seus amigos e os amigos dos amigos e os amigos deles, pudessem estar bem cientes e não terem nenhuma dúvida do quanto essas vidas estão fazendo por compensar a estadia aqui no planeta.
Ah sim, antes tivemos  o Orkut, mas onde foi parar o tal Orkut depois do tsunami chamado Facebook?

Boa pergunta que eu não me darei ao trabalho de pesquisar pra descobrir porque o que interessa aqui é mesmo falar (mal, bem...?) do ‘face’ (porque agora já estamos íntimos dele e dizemos ‘face’).

Pois então: para começar chamar o facebook de ‘fakebook’ é mais clichê do que tudo, eu admito. Aquele cara que escreve na Folha, o para muitos mal humorado e pessimista Luiz Felipe Pondé, em artigo publicado em abril desse ano, já falava sobre o facebook e as tais redes sociais em geral, coisas nada alegrinhas como que ‘potencializam o que é (...)  repetitivo, banal e angustiante” e seria algo que não passaria de ‘uma ferramenta de narcisismo generalizado’.


 Vínculos fracos 



Outro artigo aliás, bem mais aprofundado do que o do Pondé, sobre as tais redes sociais é o “A revolução não será tuitada’ que o escritor canadense Malcolm Gladwell escreveu. Apesar de acreditar no poder que tais redes  têm de fomentar mobilizações,  ele afirma que os vínculos criados nelas são muito fracos para fazer com que tais ‘eventos’, realmente mudem alguma coisa no mundo real, o mundo das manifestações de rua, dos ativistas que literalmente, entram em confrontos dos quais saem quase sempre feridos, seja aqui no Brasil ou lá na Síria.

Mas, enquanto isso, as pessoas lá no ‘face’ que interagem em prol dos “Ocupa” isso e aquilo; talvez tendam a se juntar e a interagir mais pela oportunidade de vivenciar algo legal (como se fosse uma balada e/ou uma ida ao cinema) ou conhecer gente nova do que propriamente porque se preocupam de fato, de verdade e realmente, com os sem teto ou com o futuro dos índios Guarani.

O humano nas redes

Pois é pensando por aí, inevitavelmente a gente retorna à questão humana_ ora, como assim, retorna se são saímos dela, você dirá; mas eu acredito que saímos sim, quando tentamos explicar certas questões que nos atormentam (e são muitas) pelo viés do macro e não do micro_  e percebe o básico, o simples, aquilo que esteve ali todo o tempo e ‘como não enxergamos “ e etc.: a raça humana parece estar regredindo (parece?!) em muitos e variados aspectos  e o tal facebook apenas e tão somente (coitado, dele) é só outra representação disso.

Sem apelar para os ideais de perfeição que sempre perseguiram a humanidade – ou seja: nós – e que já foram destrinchados por pessoas muito cultas, o que não é nem de longe o meu caso – em tratados, ensaios, teses ... uma olhadela no face mostra apenas o lado banal da raça a qual pertencemos (e devo confessar minha hipocrisia, pois estou ‘lá’, já saí e voltei não sei quantas vezes, e agora ‘estou’ novamente, embora não consiga me inserir, fico mais à margem porque quase sempre, as ‘coisas’ que aparecem não me animam a participar de nada. É como se eu tivesse num sambão ou num baile funk e isso para uma pessoa como eu, que gosta de rock  não é exatamente animador rs).

Voltando ao banal: sim, porque é muito mais fácil repicar estrofes do Pessoa ou do Quintana; frases de auto ajuda e conselhos diversos – ‘leia mais’; ‘faça uma doação ao hospital do câncer’; ‘passeie com  seus filhos’ – do que estar no centro comunitário mal ajambrado do bairro ou na reunião de condomínio, numa conversa cara a cara com gente irritada, cansada, suada...tudo ali, ao vivo e a cores.

Eu devia parar de ser tão chata e aceitar as redes sociais apenas como lugar de lazer, como quase um hobby desses nossos tempos modernos, mas não consigo: me irrito quando vejo ‘certas  coisas’, saio, fico tempos sem aparecer, mas daí volto e ...começa tudo de novo.
Meu relato talvez seja apenas a confissão também banal de que sou uma pessoa confusa, alegre às vezes, e melancólica às vezes, entusiasmada por ser gente e revoltada por ser gente e que, ao ir ‘lá’, no facebook, se vê diante das mais variadas futilidades humanas -  pessoas que expõem ali seus almoços, seus filhos, suas viagens, seus passeios e de vez em quando, expõem também suas revoltas com as coisas que lhes acontecem (uma compra mal sucedida, um funcionário que não as tratou bem num lugar X...), seus sonhos de que o mundo seja um lugar melhor (sem que tenham que, de fato, de verdade, trabalhar por isso) e etc.

O ser humano – nós, eu, você, os políticos, os atores da novelona das oito, o cara da padaria  - tem um lado sombrio e mal e cada um vai aparando suas arestas na convivência, vai construindo suas pontes de afetos e esperanças; mas nas redes sociais todo mundo só quer mostrar o quanto eles são felizes por serem eles mesmos e foi justamente por isso que o criador do fakebook – ôps, facebook – ganhou tantos bilhões e virou (óbvio) filme para passar no cinema do shopping e na TV paga.

Como ninguém (talvez pelo fato de ser tão jovem e cria dessa matéria dispersa do nosso tempo)  ele soube inventar esse painel virtual, essa possibilidade de exposição inofensiva (ou nem tanto, basta ver o quanto existe de maledicência, sentimentalismo barato e etc.)  das vaidades e futilidades que argamassam as relações humanas  desde que o homem morava nas cavernas  e gostava de escrever nas paredes.
As redes sociais ficarão – infelizmente – como símbolo dessa nossa época feita de valorização do ego, do excesso ‘excessivo’ de auto-estima (e a redundância é importante) e da total falta de senso crítico no qual estamos todos mergulhados queiramos ou não.
E, enquanto isso, eu, pessoa mergulhada nisso tudo até o pescoço, fico aqui refletindo na grande questão existencial (hamletiana eu diria rs) do nosso tempo: devo entrar, sair, permanecer, ficar, mas com um nome falso, lá, no tal facebook?!


Aqui o link para o artigo do Pondé, caso não consigam acessar, avisem que mando por e-mail.




Seção Geraes de Minas

No (ótimo) artigo dessa semana o Paulo faz a pergunta básica "Por onde anda o ouro de Minas"? Pois é, quem estaria disposto a fazer uma expedição pela Europa para responder  (é claro que em Portugal esse ouro deve forrar igrejas e monumentos, mas e em outros lugares?) tal pergunta? Mas, como ele mesmo ressalta "o ouro se foi e não faz falta" o que sim, faz muita falta é um pouquinho (não se pode pedir muito, afinal) de consciência em relação a essas tantas questões que compõem a história de Minas e claro, do Brasil. 
Um pouco de lucidez, não faz mal a ninguém e o que o Paulo 'deseja' para Minas - 
- "Falta-nos agora uma revolução cultural, que restabeleça um passado coerente e projete um futuro; uma história mais completa" - vale com toda certeza, para este nosso país.


Por onde anda o ouro de Minas?

Boa parte desse ouro e pedras saiu de Sabará e Vila Rica (hoje Ouro Preto),
mas também de outras Vilas, como São João Del Rei e Diamantina.






Escravos com suas bateias garimpam o ouro das Minas Gerais; um ouro que se espalhou e enriqueceu muitos países mundo afora. (fonte: Wikipedia)

Muita gente se pergunta por onde anda o ouro de Serra Pelada, no Pará, onde existiu um verdadeiro formigueiro humano e de repente não se fala mais no assunto. Outros se perguntam por onde anda a prata das minas de Potosi, na Bolívia, outro formigueiro humano de tempos idos e sobre o qual quase não se fala. E as riquezas dos Incas, dos Astecas e dos Maias?

A Capitania de Minas Gerais forneceu, principalmente na primeira metade do século XVIII, uma quantidade imensa de ouro e pedras preciosas que eram levadas para a metrópole portuguesa, contrabandeadas para França e Holanda, e sabe-se lá para que outros lugares, quando os galeões não eram atacados por piratas espanhóis, franceses ou holandeses ou por corsários ingleses.

Boa parte desse ouro e pedras saiu de Sabará e Vila Rica (hoje Ouro Preto), mas também de outras Vilas, como São João Del Rei e Diamantina. Às arrobas eram levadas por naus de guerra para Portugal, de onde iam quase diretamente para a Inglaterra, em pagamento das manufaturas que a Corte não produzia, mas consumia em larga escala.

Com o ouro das Gerais e parte da prata de Potosi a Inglaterra fez a sua revolução industrial. Juntando as riquezas extraídas de suas colônias e os créditos, a Inglaterra foi o primeiro país a instituir a revolução industrial, seguido pelos Estados Unidos e outros países europeus. Tudo com base nessa economia construída a partir do saque e da depredação de outras terras. As mesmas terras que até hoje tentam se erguer pelo atraso produzido pela revolução industrial tardia, como ocorreu na Argentina, no Brasil e no Chile, além de alguns países asiáticos.





Igreja em Tiradentes: a riqueza histórica ainda resiste, essa felizmente, permaneceu...
(foto: Paulo Santos)





















Mas, quem ainda mais sofre com isso são os países africanos. Perderam riquezas naturais e habitantes que foram levados para outros países como escravos para o trabalho nos engenhos de açúcar, nos garimpos, na lavoura, nos serviços sujos e perigosos e até para as guerras em troca de alforria, como na guerra contra o Paraguai e na Guerra de Secessão, nos Estados Unidos, ambas ocorridas na década de 1860.

O ouro das Gerais, principalmente, lastreou o luxo da corte portuguesa no século XVIII. Nem mesmo o Marquês de Pombal, um déspota esclarecido, conseguiu fazer com que a Corte entendesse que era preciso mais autonomia para a nação, e que não se podia sempre comprar dos outros (da Inglaterra, no caso), pelo alto risco de dependência econômica daí advinda.









...assim como a riqueza cultural das festas religiosas populares. (foto Danielli Vargas)



A Capitania das Minas Gerais esgotou-se pouco a pouco, junto com a paciência dos ‘nativos’, até que sedições e conspirações de brancos, índios e escravos começaram a nascer. O século XIX viu o país receber toda a Corte portuguesa de uma só vez (1808); talvez no que foi a maior migração forçada de uma elite em toda a história conhecida, pois cerca de quinze mil portugueses desembarcaram por aqui, apossando-se, em definitivo, do país. Os clãs políticos que ainda hoje temos são, em sua maioria, descendentes desses fugitivos das tropas de Napoleão Bonaparte.

Minas assentou-se em suas tradições e costumes, em seu catolicismo popular, santeiro, tornando-se um estado por onde a política vai e vem, em sua mistura de cores e crenças. Qualquer mineiro atento encontra um pedaço de sua história num raio de cem quilômetros, mas o ouro se foi e não faz falta. O que ficou é resto daquele que fez a Revolução Industrial inglesa. Falta-nos agora uma revolução cultural, que restabeleça um passado coerente e projete um futuro; uma história mais completa. Uma história com menos celebridades e com mais participação popular, como de fato aconteceu.

* Paulo Roberto Santos é professor e sociólogo, seu blog é http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/.



domingo, 21 de outubro de 2012

A locomotiva está emperrada, mas ainda assim, segue...


As postagens dessa semana foram feitas a partir de contribuições muito valiosas dos amigos: os dois primeiros textos abordam, de maneiras diversas, o consumismo exagerado dessa nossa sociedade. Sim, aposto que você, como eu,   também está cansado de saber que do jeito que as coisas vão, o planeta não vai aguentar - já não aguenta - e os sinais estão aí pra quem quiser ver. Aqui em São Paulo por ser a maior cidade brasileira e blábláblá, a gente vive no meio de contradições gritantes quando se pensa na questão 'consumo' e não sou hipócrita: se vivo por aqui e usufruo do que ela oferece, bem ou mal faço parte disso tudo, consumo e me deixo consumir pelas tantas facilidades que o capitalismo construiu e constrói (e destrói) a todo momento. 

Vista do alto da torre do Banespa - foto Ana Vargas
São Paulo e a faixa de poluição: a 'locomotiva' há muito emite sinais de cansaço.
(foto Ana Claudia) 











Mais precisamente em Osasco, por exemplo, não há (vejam bem: não há) mais espaço para tantos prédios, mas surge um novo a cada dia, numa cidade que é umas das piores do mundo em matéria de área verde por habitante.
 E é assim: a cidade já tem quase 1 milhão de moradores, não é mais vista como cidade dormitório, isso ficou lá atrás nos idos anos setenta e/ou começo dos oitenta; agora ela é vista quase como uma metrópole da grande São Paulo porque fez do comércio, o foco de sua economia (e dá-lhe shoppings centers! Numa mesma avenida são quatro, isso sem contar os hipermercados que ficam todos acoplados aos shoppings) já que as fábricas se foram para o interior do estado em busca de lugares de impostos mais baixos. 
O comércio local emprega milhares de pessoas das cidades próximas - Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Barueri e etc. - que agora, não precisam ir até a capital para trabalhar e estudar. Então, o que se vê por aqui durante a semana, na avenida dos shoppings (que também agrega as faculdades locais) e também aos sábados, é um cenário assim: centenas de pessoas congestionadas em milhares de carros e ônibus e motos e etc.


Córrego João Alves - foto Ana Vargas
Dizem que há uns 50 anos, era possível pescar nesse córrego de Osasco e eu confirmo porque vi fotos e mais fotos dessa época. (foto Ana Claudia)

Não estudei economia a fundo, confesso que achava uma chatice - porque parecia tudo distante da realidade, como em geral, são mesmo as teorias acadêmicas - mas eu já sabia que essa ânsia por produzir e consumir  não ia acabar bem (isso lá na minha adolescência de rebelde sem causa).

Hoje eu me sinto sufocada (como devem se sentir a maioria dos moradores dessa cidade) no meio de tantos prédios e carros e shoppings e até pessoas, que como sabemos - afinal, somos da mesma matéria rs- quando estão assim, meio que amontoadas, ficam irritadas, grossas e a educação vai por água abaixo em segundos; e espero não estar por aqui daqui a alguns anos. 



Rua do bairro Quilômetro Dezoito, zona sul de Osasco, em 1962.
(foto: Museu Dimitri Sensaud de Lavaud)






Tenho até medo, pra falar a verdade, e isso não é algo infundado (visto que já fui assaltada e tive o 'prazer' de ver o quanto a polícia não está exatamente preocupada em proteger as pessoas, mas isso é claro, é outra história). Não há polícia (e a daqui anda matando e morrendo com a mesma ânsia, mas o governador falou que isso é 'normal'...então tá) que dê conta desse caldeirão de gente irritada, nervosa, engarrafada, consumista, em sua maioria, rasa e querendo apenas um canto pra chamar de seu (e dá lhe incorporações imobiliárias!) no meio do caos.
Para quê árvores ou praças? É melhor que todo mundo corra pro shopping e assista ao último sucesso de 'roliudi' : a alienação ainda é, a melhor alternativa.




Visão atual do mesmo bairro. (foto: Ana Claudia)

Mas como aqui não é espaço para alienações - quer dizer; talvez eu seja só uma alienada de outro tipo, porque pessoas precisam se vestir, morar, trabalhar, consumir e por aí afora; ninguém vai voltar a viver nos campos, ninguém vai voltar a cultivar seus alimentos como no século passado, não é? - eu hoje fico pelo menos, esperançosa, por saber que há economistas como o Marcus Eduardo - autor do artigo abaixo -  que pensa a economia pelo viés ambiental.
Isso não é animador e muito necessário, indispensável e básico?
No texto logo após, o colaborador oficial - Paulo Santos - reflete, de certa forma, também sobre consumismo mas por outro prisma. Vale a pena ler e depois fazer uma visita ao blog dele.
Pra terminar, preciso dizer que me sinto muito hipócrita (esse blog também é espaço para reflexão existencial, como não?) porque sou bem consumista, o que faço para me sentir 1% menos é reciclar o lixo daqui de casa.

No mais: vamos aos textos:


Quando o consumo consome o consumidor

Marcus Eduardo de Oliveira

Economista, professor e especialista em Política Internacional pela Universidad de La Habana – Cuba

Fonte: Adital

Desde seu surgimento pelas mãos de John Keynes, a macroeconomia tem como objetivo central o crescimento econômico à espera dos sufocantes padrões de consumo. De forma equivocada, muitos ainda acreditam que a abundância material "produz” bem-estar e permite melhorar substancialmente a vida das pessoas, cabendo à atividade econômica ser a protagonista principal desse filme cujo enredo é conhecido: manda quem pode (as forças de mercado) e obedece quem tem juízo (o bolso dos consumidores).
No afã em se produzir a qualquer preço para o atendimento das propagadas necessidades humanas -cada vez mais ilimitadas- a política econômica faz o jogo do mercado e, assim, contribui para transformar artificialmente desejos em necessidades. Para isso, põe a roda da economia para girar com mais força visando o alcance de taxas mais elevadas em termos de produção de bens e serviços; afinal, apoiada por ampla propaganda televisiva, o consumo precisa acontecer para o regozijo da classe produtora.
Mas, como nem tudo que reluz é ouro, nesse meandro produção-consumo não há como refutar uma assertiva: para crescer economicamente (produzir mais) é necessário usar o meio ambiente (fatores naturais) e, em decorrência desse "uso” crescer significa, grosso modo, "destruir”.
Assim, essa premissa pode ser reescrita de outra forma: Consome-se, logo, destrói-se. Produz-se mais, logo, agride-se mais.
Pois bem. Numa sociedade centrada no uso e na força do dinheiro como mecanismo potencializador de qualquer consumo temos a premissa de que "o consumo consome o consumidor”, como diz profeticamente Frei Betto em "A Mosca Azul”.
Diante disso, uma crucial e instigadora pergunta se apresenta como pertinente: como produzir mais para satisfazer desejos e necessidades de consumo se há visivelmente limites e pré-condições impostas pela natureza que impossibilitam esse atendimento em escala crescente?
Como existe o desejo em prontamente atender as necessidades mercadológicas impostas pelo apelo consumista, que por sinal são cada vez mais vorazes, primeiramente, em respeito ao bom senso, deve-se ter em conta aquilo que Clóvis Cavalcanti, especialista em economia ambiental, chama a atenção com bastante veemência: "mais economia implica menos ambiente”.
Isto posto, se é verossímil o fato de que o consumo consome o consumidor, a macroeconomia do consumo consome a natureza e, por esse "consumismo” desenfreado de recursos naturais (limitados, finitos) por parte da atividade econômico-produtiva, em breve, sem exageros retóricos, não haverá mais natureza, não haverá mais economia, mais mercado, produtos, consumidor, vida.
Em nome do "crescimento econômico” a destruição ambiental tem se apresentado com mais veemência nos últimos tempos, ainda que muitos insistam em fechar os olhos para tal questão. O certo é que mais produção material – com a atual matriz energética largamente usada – hoje em dia se traduz como sinônimo de mais emissões de gases de efeito estufa. É imprescindível conter o total dessas emissões, caso contrário, elevando-se a temperatura média do planeta teremos mais enchentes, derretimento de geleiras, mais secas.
Na esteira dessa análise, a economia tradicional beira a cegueira e incorre no crasso e estúpido erro ao confundir e não diferenciar crescimento (quantitativo) de desenvolvimento (qualitativo). De um lado, têm-se a receita tradicional da macroeconomia keynesiana: buscar o crescimento econômico para atenuar os desequilíbrios em relação à taxa de emprego e renda. Do outro, têm-se a questão ecológica que ressalta a não existência de recursos naturais em quantidades disponíveis para a ocorrência desse tal crescimento. O que não se coloca claramente é que crescimento econômico, como diz Ricardo Abramovay em "Muito Além da Economia Verde”, não é uma fórmula universal para se chegar ao bem-estar. Não se nega a importância do crescimento da economia; o que não se pode é fazer dele uma "finalidade”, pois o mesmo é apenas um "meio” para que a vida econômica prospere.
Desse embate teórico, algo tem de ficar bem esclarecido: uma maior produção econômica irá derrubar mais florestas, irá agredir o solo, usar mais água, o ar, a energia, teremos mais aumentos de emissões globais de gases de efeito estufa e teremos, sim, a vida colocada em risco pelo desequilíbrio climático decorrente disso tudo. Continuando com a falta de lucidez por parte da economia tradicional, a insistência em crescer economicamente além dos limites significa ainda aumentar o intercâmbio global de produtos, base essa do atual e avassalador modelo de globalização que recomenda, na ponta final, que a "receita para o sucesso” é ter sempre a geladeira repleta de produtos, de preferência importados. Ora, é simplesmente insano fazer com que um ketchup, por exemplo, vindo dos Estados Unidos "viaje”, às vezes, mais de 10 mil quilômetros para chegar ao mercado brasileiro quando poderia ser produzido domesticamente e "viajar” menos de 1.000 km para chegar às mesas dos brasileiros.
No entanto, para esse modelo de globalização que corre às soltas atestando que o produto importado é a característica mais visível da modernidade, pouca relevância tem o gasto energético intenso envolvido nessa "viagem” de fora para cá do ketchup. Pouco importa se isso é altamente agressivo sobre o meio ambiente e potencialmente gerador de CO2.
Nessa mesma linha de raciocínio, vejamos outro exemplo de como o consumo consome o consumidor e junto a isso a economia consome a natureza pondo a estabilidade climática à beira do precipício: a fruta nectarina produzida em Badajoz, na Espanha, "viaja” quase 400 quilômetros de caminhão queimando combustível até chegar a Portugal, no Porto de Lisboa. De lá vem ao Brasil, chegando ao Porto de Santos vinte dias depois. Alguém consegue imaginar o quanto foi gasto em termos energéticos nesse processo? Isso é inadmissível numa sociedade que já consome em energia e recursos o equivalente a um planeta e 1/3.
Ora, acatar esse modelo de consumo desenfreado (que não passa de um parâmetro falso de bem-estar) "patrocinado” pela macroeconomia da destruição da base natural e "propagandeado” por uma estrutura midiática que movimenta bilhões de dólares e se legitima por gordos lucros é continuar jogando terra sobre a capacidade de se obter desenvolvimento sustentável, pois isso está longe de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Ao contrário: isso apenas reforça a ideia mercadológica (e sabemos que os mercados nunca promoveram bem-estar) e potencializa o triste fato do consumo consumir o consumidor possibilitando a chegada mais rápida da era do caos em termos de qualidade de vida relacionada aos serviços ecossistêmicos.


Tempos idos 



Houve época em que se levava as coisas mais a sério. Saudosismo? Nostalgia? Nada disso! Uma constatação de que nesse mundo que se liquefaz dia após dia, há cada vez menos espaço para o humano. A ditadura das marcas, da moda, do espetáculo, do consumo ... O que vai restar de nossa civilização tão técnica e tão pobre? Vivemos num mundo onde máquinas e informática tornam as coisas mais rápidas, mas não melhores. Os relacionamentos se enfraquecem, o diálogo desaparece ... No futuro seremos conhecidos como os seres da Idade do Plástico. 

Seres carregados e dependentes de quinquilharias eletrônicas, e ocos, vazios, cadáveres que respiram; seres sem metas, propósitos, ... a certeza de nossa finitude já nos fez usar melhor nosso tempo e recursos. Hoje as pessoas fogem da consciência dessa finitude, preenchendo seu lugar com coisas e comportamentos bizarros. Uma boa parte perdeu-se de si mesma e não parece interessada em se reencontrar.
Tudo indica que uma nova civilização vem por aí, passando por cima dessa modernosa vida vazia que nos é imposta por um modelo econômico diabólico, que fez da sociedade um subproduto da economia.


Para ler mais acesse: http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/


Do alto da Serra da Piedade: foto Danielli Vargas
Será que o passarinho no alto da Serra da Piedade, em Belo Horizonte, está refletindo sobre o quanto  esse negócio de consumismo e destruição ambiental e etc., fez mal pra humanidade? Será que ele tem nostalgia dos 'tempos idos'? Será? (foto Danielli Vargas)


Seção Gerais de Minas


Gente, e agora, o segundo capítulo da série Minas por outros ângulos: outro artigo do Paulo sobre pontos da história mineira não muito (ou nada)conhecidos.  

Aproveito para informar o seguinte: criei no site de imagens Flickr um perfil para inserir imagens de Minas, a proposta é inserir principalmente, mas não somente, fotos de lugares, pessoas, festas populares e etc. mas tudo a partir de uma visão 'não turística'. 

Mas, o que seria isso? Seria assim: vale uma foto do sol se pondo entre os morros e palmeiras todo alaranjado e belo, mas vale bem mais a foto de uma cidadezinha chamada Morro do Ferro e/ou Campos Altos e/ou Januária e etc. 

Queria muito que se transformasse num grandioso banco de imagens de toda Minas, sobretudo, aquela das inúmeras cidades que sequer constam no mapa ou daquelas que a gente (geralmente) nunca ouviu falar. Fotos de morro, árvore, açude, pedra, cachoeira, crianças, velhos e etc. e etc.

Então, você está desde já convidadíssimo a enviar fotos e a divulgar essa iniciativa para todos os seus amigos: mineiros que moram em Minas, que moram em São Paulo, no Rio, na Bahia ou em Quixeramobim.

Caso queira ver o que tenho colocado lá - quase nada ainda porque, por enquanto, a coisa está só começando - acesse 
http://www.flickr.com/ e procure a galeria dessa que vos escreve: geraesdeminas é o nome, muito 'criativo' por sinal, que eu 
escolhi, uma das fotos que estão lá, é essa aí: retrato do cerrado mineiro:







Agora chega! 
Segue o ótimo artigo do Paulo.


Resistência negra:
Um reino africano no Centro de Minas? - Parte 2
No início do século XVIII, surgiu mais ou menos na região centro-oeste da então Capitania de Minas Gerais, uma confederação de quilombos que, no conjunto, passou a ser conhecida como Quilombo do Rei Ambrósio, ou do Campo Grande.

Por Paulo Roberto Santos*
De Divinópolis-MG
06/09/2012


Por volta de 1760, com o fim da confederação dos quilombos espalhados do rio das Mortes ao Abaeté, e de Ibiá a Itaguara, presumíveis indicadores dos limites do quilombo do Rei Ambrósio (ou do Campo Grande), houve avanços de bandeirantes (grupos paramilitares ou milícias, acompanhadas por pessoas de todo o tipo, de aventureiros a saqueadores), em direção ao oeste de Minas.

Já havia pequenos povoados pela região, formados anteriormente pelos fugitivos da guerra dos emboabas, ocorrida algumas décadas antes, em 1708-09, com a derrota, fuga ou morte dos paulistas. Esse episódio deu causa à criação da Capitania de Minas Gerais, fazendo os paulistas se voltarem mais para regiões interioranas e em direção ao atual Paraguai e Mato Grosso.

Enquanto isso, nas Gerais, o ouro escasseava rapidamente. A Coroa portuguesa precisava dos recursos das colônias para quitar suas dívidas para com a Inglaterra, e para os manufaturados que até então - já com a nascente revolução industrial -, ainda não produzia.


Povoado de Catumba, em Itaúna, ainda guarda resquícios do tempo dos escravos.
(Foto: Charles Ishimoto)


É nesse contexto de empobrecimento rápido e generalizado que negros forros, fugitivos, remanescentes de etnias nativas, brancos pobres ou ricos naturais, vão se defrontar com um episódio de truculência e arbítrio que ficou conhecido como a Conjuração Mineira. A conspiração que envolveu membros de todas as classes, clérigos inclusive e gente da região principalmente, mas também alguns portugueses, que tinha como propósito principal a libertação da Capitania de Minas do governo português.

Havia o apoio de paulistas e fluminenses, mas, principalmente, de baianos e pernambucanos. Os governos dos Estados Unidos, França e Inglaterra prometeram apoio e reconhecimento à nova nação. Se não houvesse a delação e prisão dos principais condutores do movimento, havendo sucesso, certamente, seria o estopim para as lutas de emancipação das demais Capitanias.

É preciso citar que, ao longo do século XVIII, dezenas de milhares de negros africanos foram trazidos para a Capitania de Minas Gerais, para o trabalho nas minas e em serviços diversos. Não se deve pensar nos negros africanos, principalmente nos sudaneses, como povos atrasados. Existiam reinos prósperos, que faziam comércio com a Índia e entre si. Os sudaneses, em sua maioria, falavam e escreviam em árabe, e trazidos ao Brasil eram, muitas vezes, mais alfabetizados que os seus senhores.

Conhecedores da metalurgia, da pecuária, de plantas medicinais, de práticas de cura ancestrais, das artes da guerra e da paz, quando era o caso, os africanos eram superiores aos indígenas, que ainda viviam na idade da pedra polida, da cerâmica, da caça, pesca e coleta. Por essa razão foram substituídos na mão de obra ao longo dos séculos.






Entre os vestígios deixados pelos escravos estão valas cavadas e também muros feitos de pedras da região.(Foto Charles Ishimoto)

Redutos remanescentes

Da confederação de quilombos que constituiu o reino do Rei Ambrósio, restou uma quantidade imensa de redutos remanescentes que lutam, até hoje, pelo reconhecimento de suas terras, cobiçadas por fazendeiros que ainda os veem como mão de obra barata, quando não ainda como escravos. Aos poucos, o atual Governo Federal vem resolvendo essas demandas em favor dos quilombolas, não sem a resistência dos latifundiários.

O quilombo se foi, mas sua influência ficou até hoje. A culinária mineira cheira a improviso. Além disso, o uso do fubá de milho, da farinha de mandioca e do polvilho, deu novos pratos à cultura nacional. Quem nunca ouviu falar, ou já experimentou, o pão de queijo, resultado da escassez de trigo naqueles tempos idos e a junção do queijo mineiro, feito com leite cru?

No linguajar, em Minas como em todo o Brasil, ficamos com os adjetivos carinhosos aprendidos com as negras que cuidavam e davam seu próprio leite aos filhos dos senhores, benzinho, amorzinho… E tantas outras expressões de carinho hoje tão comuns.

Com a chegada ao Brasil da família real portuguesa, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, o país passa a ter o português como língua obrigatória, fazendo com que o nhengatu (fala boa, em tupi) fosse aos poucos abandonado. Essa língua, criada pela inventividade dos padres jesuítas do século XVI, numa mistura de tupi com português, foi a língua comum por mais de dois séculos. Foi também usada pelos bandeirantes - em sua maioria, mameluca, e não branca, como divulgado por décadas na historiografia oficial.

Um pouco desse linguajar arcaico reaparece nas obras do escritor mineiro Guimarães Rosa, em todas as suas obras, mas particularmente no “Grande Sertão: Veredas” e em “Sagarana”. Um português - ou talvez seja melhor dizer, mineirês -, que dificilmente será entendido pelas gerações futuras, perdendo-se, assim, uma das maiores belezas literárias do país.

Controvérsias, lacunas, dúvidas e incertezas à parte, eis uma página de grande interesse da história de Minas Gerais, e que vem sendo, lentamente, reconstituída por profissionais e amadores.


* Paulo Roberto Santos é professor e sociólogo, seu blog é http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/.
Artigo escrito originalmente para o Via Fanzine: www.viafanzine.jor.br 










quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Seção “Geraes de Minas”


“Minas principia de dentro para fora e do céu para o chão...” (Guimarães Rosa no conto “Minha Gente’, do  livro “Sagarana”)


Foi assim: de tanto ler aqui e ali, bobagens sobre Minas Gerais, de tanto conversar com amigos sobre o que viria a ser as “Minas Gerais” – para além das chatíssimas propagandas turísticas, dos comerciais mostrando as mesmas imagens¹ (Ouro Preto, “Beagá”, montanhas, Inhotim, gente de chapéu de palha ou aquela falsa modernidade de prédios espelhados que se vê de Uberaba a Divinópolis), para muito além das mais chatíssimas ainda notas sociais que ainda existem nos jornalões mineiros² (fulano de sobrenome X que casou com sicrana de sobrenome Y; sicrana que voltou da Europa e abre um negócio no  bairro X; aquelas tentativas frustradas (felizmente) de fazer com que o jeito ‘mineiro’ se molde ao que Rio e São Paulo esperam (vocês pensam que isso é bobagem mas não é não!), para além, enfim, do que existe de Minas na  velha imprensa que pertence às famílias X e Y, aquelas que não tem nenhum interesse em mostrar as histórias e estórias de uma Minas que existe – e resiste – nas ruas empoeiradas, nos sotaques carregados, no jeito de viver, enfim, dessas pessoas que moram nos lugares mais distantes (ou não), que ainda exercem profissões que já se extinguiram; alguns, os mais velhos, aqueles que sequer leem jornais porque  na maioria das vezes, não puderam aprender a ler – quanta gente assim ainda há em Minas – e por aí afora. E, em meio a tudo isso, outra Minas há muito já deu o ar de sua (des?)graça: é aquela pós-moderna (um termo inadequado mas necessário), aquela que vivencia os efeitos da tal globalização e é formada por milhares de jovens que são filhos e netos da ‘geração das profissões em fase de extinção’ (os marceneiros – como meu pai – os alfaiates, as costureiras e quitandeiras...); são jovens que, apesar da (alardeada?) facilidade de se continuar os estudos e melhorar de vida  ainda não tem acesso (por razões variadas e específicas) a uma vida melhor do que a que tiveram seus pais e avós.  Muitos deles sonham em ir para os EUA ou para a Bélgica (agora parece ser o ‘país da vez’) para fazer faxina  ou o que quer que seja.³ Eu sempre me identifiquei muito com a história dos que não terão sua história contada em lugar nenhum: nunca me reconheci – nem a nenhum dos meus – quando lia (leio) o que a imprensa mineira publicava (e claro: continua publicando), mas para além das minhas muitas limitações teóricas para tratar de temas que poderiam ‘explicar’ porque as coisas em Minas são dessa forma (e agora me vem à cabeça a imagem do Aécio Neves cutucando a presidenta Dilma com aquelas bobagens que ele sabe dizer tão bem sobre ‘ser mineiro’, como se ele soubesse o que vem a ser isso...é irônico); nessa seção eu espero poder colocar textos, fotos, notícias  da ‘outra’ Minas Gerais, aquela que se parece mais com a que eu gosto e cresci admirando, aquela que é feita de uma simplicidade que não exclui a busca por outros modos de pensar (para além dos academicismos ou das visões superficiais), aquela que é feita por gente de todas as classes, gente que não faz nenhuma questão de se dizer dessa ou daquela família, desse ou daquele sobrenome e/ou partido político e por aí afora.
Para terminar: sua leitura, comentário e contribuição será muitíssimo bem vinda! Peço que perdoe a confusão do texto acima, com o tempo eu espero ir afinando as muitas ideias que gostaria de discutir aqui.

E, sem mais delongas,  para inaugurar a seção, convido vocês à leitura do artigo abaixo, do amigo Paulo Santos, sociólogo, mineiro de Santo Antônio do Monte e morador da modernosa Divinópolis, a maior cidade ali da região centro-oeste, lugar de muitas lojas com nomes em inglês e (felizmente) lugar também de gente boa, como o Paulo (e sua esposa e seus filhos), que gosta de refletir e escrever sobre o que se propõe aqui.

No mais, boa leitura, minha gente (mas antes, algumas explicações):

1  Nada contra essas imagens, é só cansaço mesmo de ver sempre as mesmas...falta de criatividade de quem faz essas propagandas, acho eu...

2  Sinceramente: quando vou para Minas e leio os jornais, fico pensando porque há tanto esforço – por parte dos editores – em manter aquela ‘aura’ de que Minas é um lugar especial; quase uma ilha de ‘gente do bem’, longe da corrupção e dos problemas que afetam Rio e SP (violência, desemprego...). Todo mundo sorri nas colunas sociais, agora, eu bem que queria saber qual o motivo para tantos sorrisos. Ah, sim: Minas é especial, mas não pelos motivos que (penso) eles devem achá-la especial...

3Por que ir para os EUA trabalhar como faxineiro é diferente de ir para o Rio ou para Brasília pra fazer o mesmo? (Nada contra faxineiros e pedreiros, por favor!) Ah, sim: dizem que pagam ‘bem’ mais lá, mas acho que a questão é mais de ‘status’: fazer faxina para  americanos e belgas deve ser mais ‘cool’...Perdoem a pobreza do meu ‘raciocínio’ é que não aguento topar com gente que se acha superior por que está nessa situação e como há disso em Minas...isso é triste.




Um reino africano no Centro de Minas? 
Parte 1)

No início do século XVIII, surgiu mais ou menos na região centro-oeste da então Capitania de Minas Gerais, uma confederação de quilombos que, no conjunto, passou a ser conhecida como Quilombo do Rei Ambrósio, ou do Campo Grande.


Heróis fora da história

Existem muitas lacunas e distorções na historiografia brasileira. Há excesso de heróis e escassez de povo, de gente simples, daqueles que participaram efetivamente da construção desse país, nem que seja como vítimas das atrocidades praticadas pelos eventuais e momentâneos donos do poder.

Só recentemente dois heróis foram acrescentados ao panteão brasileiro, para representar as três raças que compõem nosso povo. Além do branco Tiradentes, já temos o indígena da resistência guarani, Sepé Tiaraju, e o negro quilombola Zumbi de Palmares. Mas ainda falta muito para uma história menos incompleta.

No início do século XVIII, começou a surgir mais ou menos na região centro-oeste da então Capitania de Minas Gerais, uma confederação de quilombos que, no conjunto, passou a ser conhecida como Quilombo do Rei Ambrósio, ou do Campo Grande.

Seu perímetro exato é desconhecido, mas há indícios que ia do Rio das Mortes (perto de São João Del Rei), passando por onde hoje é Itaguara (às margens da BR-381, MG-SP), em direção a Abaeté, seguindo para Ibiá, Campo Belo e com sede mais duradoura onde hoje fica a cidade de Cristais.





O povoado de Catumba ainda guarda
restos de construções feitas pelos escravos. Seriam vestígios do  Quilombo do Rei Ambrósio?






Quilombo do Rei Ambrósio

Nesse complexo conjunto de aldeias confederadas viviam e conviviam os quilombolas (negros escravos fugidos), indígenas de várias etnias, brancos pobres, garimpeiros, comerciantes falidos, perseguidos de todos os tipos, formando uma população heterogênea e fixa de vários milhares de homens, mulheres, crianças, idosos. Faziam comércio com os tropeiros, garimpavam e trocavam o outro e pedras por armas e munições, sal, tecidos, charque e tudo o mais que precisassem, vivendo de forma autônoma por meio de agricultura de subsistência, com o eventual excedente sendo também objeto de troca.

Claro que a formação de um reino dessa natureza bem no centro de uma das principais fontes de riqueza da Corte portuguesa não interessava. Por isso, sucessivos ataques de tropas reinóis e de mercenários ocorreram, sendo vencidas pelos quilombolas. O interesse da Corte pelo sertão da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro) era grande, pelas possibilidades de riquezas, trânsito para regiões mais interioranas e controle das terras de Goiás. O Triângulo pertencia a Goiás naqueles tempos, e por isso havia uma motivação também de política expansionista, além de controle sobre os territórios das minas.

Para se chegar aos propósitos do governador da Capitania das Gerais e da Corte, era preciso eliminar o quilombo do Rei Ambrósio e anexar à região do Triângulo. Com isso, as batalhas ocorridas em regiões mais centrais, próximas a Formiga, Itapecerica (então Vila do Tamanduá), Campo Belo e Cristais, por exemplo, eram registradas pelo então responsável por essas notas, Coronel Inácio Correia Pamplona (um dos principais delatores da Conjuração Mineira), como tendo ocorrido mais além, perto da região do sertão da Farinha Podre.








Mapa no Arquivo Nacional mostra detalhes do Quilombo do Rei Ambrósio, no interior de Minas.





Abrangência da resistência negra

Os primeiros redutos quilombolas, formados a partir da Guerra dos Emboabas (1708-09), deram origem a essa grande confederação nos moldes dos reinos africanos, com um dos líderes, Ambrósio, tendo dado seu nome ao conjunto. O fim do quilombo se deu por volta de 1760, quando o bandeirante pitanguiense Bartolomeu Bueno do Prado, partiu com cerca de quatro mil homens bem armados (pelos padrões da época: armas de fogo e brancas, lanças, arco e flecha).

Num desses enfrentamentos quatro mil pares de orelhas negras foram postas em tonéis com salmoura, para serem entregues em Vila Rica, em troca do respectivo pagamento por cada morto. O quilombo resistiu até seu fim, seguido da dispersão, morte ou aprisionamento dos sobreviventes.

De qualquer forma, tais eventos não se perdem, mesmo quando são intencionalmente esquecidos pelos políticos, governantes ou historiadores. São muitas as lacunas, é verdade, pois os dados e informações são escassos. Boa parte dos documentos foi levada para São Paulo e para Portugal, ou simplesmente destruída, pelo que se sabe. Mas a tradição oral permaneceu e as histórias e estórias seguem seu curso, na visão de cada interpretador.




Restos de antigas construções podem ser vistos em Catumba.

Traços herdados de tempos trágicos

Muitos consideram o mineiro um tipo arredio e desconfiado, muitas vezes confundindo esse traço herdado de uma longa história de lutas, como timidez.

É provável que, na linha de raciocínio do psicólogo suíço Jung, esses séculos de lutas contra as arbitrariedades e mentiras oficiais tenham formado um arquétipo que o mineiro carrega consigo desde o berço.

Formou-se um tipo negociador e conciliador, que procura evitar o confronto, pois está disposto a ir até o fim se este acontecer. Resultado dos muitos reveses acontecidos no passado.

O século XVIII na Capitania das Gerais foi um século especialmente trágico. Começou com a Guerra dos Emboadas, seguida pela revolta de Felipe dos Santos, as campanhas militares contra quilombolas e indígenas, exterminando os goitacás, abaetés, candidés, tamaraícas, caiapós e tantas outras etnias, seja pela espada ou pela doença trazida pelos brancos.

O século terminou com a delação, prisão, tortura e morte ou exílio para os envolvidos com a Conjuração Mineira, também chamada Inconfidência Mineira (1788-89).

Somos desestimulados a conhecer nossa história e nosso passado; nossas origens. Um povo sem consciência histórica é um povo sem referências ou conhecimentos do por que somos como somos e onde, como e por que precisamos mudar em alguma coisa. Sem conhecimento do passado, não nos situamos no presente e assim, fica difícil planejar ou vislumbrar o futuro.

O reino africano que existiu no Centro-oeste de Minas Gerais no século XVIII - equivalente ou talvez maior que o de Palmares -, levanta uma série de questões: porque se tenta apagar a história? Por que se distorcem os acontecimentos? Por que se omitem informações valiosas para as gerações mais novas? A quem interessa manter o povo na ignorância de suas próprias origens?


Você pode ler outros textos do Paulo Santos no blog que ele edita, o "Animal Sapiens":

http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/

Fonte original do artigo: Via Fanzine http://www.viafanzine.jor.br/principal.htm
Crédito das imagensFotos: Charles Aquino/Mapa:Arquivo Nacional/Itaúna em Décadas