quarta-feira, 27 de junho de 2012

As fotografias poéticas de Manuel Álvarez Bravo


 A realidade é mais real em preto e branco – Octavio Paz (comentando as obras de Bravo)

 Foi o mestre da fotografia Henry Cartier Bresson que disse “fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração” e o mexicano Manuel Álvarez Bravo – contemporâneo de Bresson – tratou de seguir esse ‘conselho’ e, de modo tão apaixonado, que durante 70 anos, munido de sua câmera e com o olhar e o coração devidamente perfilados, registrou imagens de seu país natal – o México – carregadas de poesia e encantamento.




Figuras no castelo, década de 1920
   



Considerado a maior referência da moderna fotografia mexicana, as imagens de Álvarez Bravo mostram toda a riqueza social e cultural desse que é o país berço de civilizações milenares que foram fundamentais para o desenvolvimento da matemática, da medicina, arquitetura entre outras.

 
A cultura mexicana é fascinante – sou suspeita para falar porque para mim, o maior escritor do mundo (embora eu não acredite muito nisso de ‘maiores’ e ‘melhores’ e etc.) é o mexicano Juan Rulfo que com o seu livro Pedro Páramo e o Planalto em Chamas, escreveu um verdadeiro tratado sobre a vida rural mexicana (um dia falarei dele aqui no blog).

 





Com seu filho, década de 1950



Mas voltando ao Álvarez Bravo (e pedindo para que vocês perdoem os meus delírios) basicamente o que ele fez em seus 70 anos de trabalho fotográfico, foi mirar o visor de sua câmera para as mulheres, homens, velhos, crianças; enfim, para os muitos anônimos que cruzaram seu caminho ali, entre as décadas de 1920 e 1970.


Vale lembrar que gente como Frida Kahlo e  Diego Rivera – pintores -  André Breton – escritor - Serguei Eisenstein – cineasta – e claro, Juan Rulfo – que também era fotógrafo – também dão o ar da graça na exposição. E só por isso já valeria visitá-la.

A fotografia de Manuel Álvarez Bravo passeia por paisagens urbanas e rurais, montanhas e cidades, pelos quintais de casas simples nos quais mulheres estendem roupas em varais iluminados; revela jardins humildes,  trabalhadores, prostitutas em poses eróticas ou não; crianças que brincam pelas ruas celebrando a infância...

Tudo se revela de maneira sempre encantada, como se víssemos uma imagem sonhada e não real; mas é justamente por isso que certos matizes do cotidiano se revelam de forma intensa e (vejam só); real.

Penso que obras de arte não deixam de ser uma celebração da vida e de suas tantas belezas, dores e questionamentos e tudo isso está presente - com louvor - na obra desse grande fotógrafo.



 
Janela para os agaves, 1974-1976




A mostra de  Manuel Álvares Bravo – que morreu aos 100 anos de idade, em 2002 -  e foi produzida em parceria com a Associação Manuel Álvarez Bravo e com apoio do Museu de Arte Moderna e do Instituto Nacional de Belas Artes do México, fica em cartaz no Instituto Moreira Salles de São Paulo até 8 de julho.

Para saber mais acesse: http://ims.uol.com.br/


(Crédito das fotos: Manuel Álvarez Bravo © Colette Urbajtel/ Asociación Manuel Álvarez Bravo, a.c)

As cracolândias de Minas

Muito tem se falado sobre o avanço do crack para os interiores do Brasil. Especialistas afirmam que isso já era previsto dado ao rigor (muitas vezes questionável) com que o poder público das grandes cidades tem tratado essa questão. O caso da cidade de São Paulo é emblemático. 
Pois se nessa que é a mais desenvolvida cidade brasileira e que, dadas às suas  proporções, é também a que mais recebe verbas para fortalecer todo o aparato relacionado à segurança pública, a questão das drogas e, mais especificamente, do crack, se configura em equação dificílima de resolver -  aqui entram, por exemplo, discussões diversas ligadas à tão polêmica e pouco eficiente ‘guerra às drogas’ impetrada pelos EUA e o fato de que o debate sobre a liberação destas substâncias foi retomado - imagine essa verdadeira ‘bomba’ sendo acionada nas muitas cidades do interior do Brasil; cidades que já são abandonadas em muitas instâncias pelos seus próprios governantes?
Em Minas, por exemplo, estas numerosas cidades de nomes  poéticos – Dores do Indaiá; Divinópolis, Estrela do Indaiá, Nova Serrana e etc. – estão vivendo um paradoxo que caberia muito bem na ficção genial e bizarra de um escritor como Roberto Bolaño – quem melhor do que ele para fazer literatura a partir das mazelas latino-americanas e a droga é só uma delas - mas que aqui no viés da realidade real, cria situações limite, coloca todos contra a parede e quando digo ‘todos’ estou me referindo a comunidades que não estão, nem de longe, preparadas para lidar com uma droga como o  crack e claro; ao dito poder público que se já não funciona muito bem nos grandes centros, o que dirá então aqui, nos rincões do Brasil?
Em Divinópolis, por exemplo, a maior cidade da região centro- oeste mineira, segundo dados divulgados pela delegacia regional, 90% dos homicídios ocorridos na cidade entre janeiro e fevereiro deste ano tiveram relação direta com o tráfico de drogas. Alguns são casos escabrosos de filhos que matam pais ou que envolvem crianças de 10 anos que já estão inseridas no  tráfico.
Já em Dores do Indaiá, cidade de pouco mais de 11.000 habitantes situada a 255 km de Belo Horizonte, a população tem assistido estarrecida a vários casos de homicídios ligados ao tráfico e uso de drogas. Segundo fonte ligada a policia militar que não quis se identificar por razões óbvias, há dois anos não havia ocorrências ligadas ao crack, mas a partir de 2010, os casos  aumentaram assustadoramente. A maioria dos envolvidos tem entre 11 e 17 anos de idade e somente este ano já ocorreram na cidade três homicídios relacionados a essa droga. Vale ressaltar que em todas essas ocorrências os envolvidos – sejam eles usuários ou traficantes; sejam maiores ou menores de idade – mesmo quando presos em flagrante delito, são autuados, levados para a delegacia,   permanecem encarcerados no aguardo do julgamento, mas são, na maioria das vezes, soltos por não serem julgados dentro do prazo estabelecido pela lei. Quando há menores de idade envolvidos, ainda que haja atuação do Conselho Tutelar do município, os casos não têm o encaminhamento judicial solicitado e novamente os menores são devolvidos aos familiares. A cidade não possui nenhum abrigo ou instituição que oriente as famílias que são, geralmente, desestruturadas, e assim o problema tem sido solenemente ignorado.  A situação demonstra claramente o desinteresse dos chamados poderes públicos locais em oferecer uma solução que contenha o avanço do crack na região.  Como é natural nestes casos, o número de assaltos a mão armada e os furtos têm aumentando consideravelmente em todas estas cidades.
É claro que quando se pensa na falta de segurança pública das metrópoles brasileiras, nos inúmeros casos diariamente alardeados pela imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, lembrar casos semelhantes que ocorrem em cidades do interior poderia soar, a princípio, como uma questão meramente comparativa, mas aqui novamente é importante ressaltar que justamente dadas às condições econômicas, sociais e culturais de tais cidades é que se trata de casos graves que requerem por isso, a atenção das autoridades responsáveis nas instâncias municipais, estaduais e federais.
O estado de Minas Gerais pode ser visto (infelizmente) como exemplo do quanto o aumento do tráfico e do uso de drogas está se tornando um problema de saúde pública, pois diariamente as comunidades do interior mineiro têm assistido estarrecidas a mortes de crianças, prisões de traficantes que migraram das capitais e estão, literalmente, construindo ali os seus cartéis, e o fazem com tranquilidade, pois não ficam presos e sequer são julgados.
Enquanto isso, as autoridades tomam medidas meramente paliativas ou maquiadoras da realidade social, os tais megaeventos muito comuns na região, se tornaram pontos de negociação dos traficantes-usuários e não apenas locais nos quais se consome a bebida alcoolica do patrocinador ou  as demais drogas ilícitas de modo geral.
Para concluir a pergunta que resta é: como mudar a abordagem deste problema de forma que seja possível amenizá-lo? Repressão e exclusão social dos usuários evidentemente não funcionam; o que fazer com o crime que se organiza em torno do tráfico de drogas e de armas?
Como se vê as montanhas mineiras estão encobrindo bem mais do que as belezas naturais do estado. Já se sabe que  há várias cracolândias em plena atividade espalhadas pelo Brasil afora e em Minas Gerais, nas cidades do centro-oeste,  elas estão funcionando a pleno vapor sob os olhos complacentes do poder público.
(Esse artigo foi escrito com a valiosa contribuição de Paulo Roberto Santos, sociólogo (UFMG), especialista em Política e Sociedade (PUC-MG) e professor de sociologia).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Osasco: a pujante cidade dos sofás abandonados


Sofás velhos: o outro lado da pujança econômica...


 

Moro numa cidade pós industrial da grande São Paulo, um lugar quase sempre de céus acinzentados e paisagens que parecem em alguns trechos, uma mistura daquelas  vilas operárias inglesas – Manchester, pelo que vi em fotos– com outras mais de acordo com nossa realidade, como aquelas que vemos em imagens de alguns empoeirados bairros da Bolívia, Colômbia ou algo assim. O fato é que é quase impossível definir a paisagem de uma cidade como esta na qual vivo – Osasco, grande São Paulo – pois é um lugar que está e esteve desde a origem, no centro de tudo o que transformou a cidade de São Paulo, o próprio estado e até o Brasil, no que temos aí hoje (de bom, ruim e inexplicável).
 Entre as décadas de 1920 e 1950, Osasco tinha inúmeras fábricas, aquele foi o tempo da chegada de imigrantes que vinham de todo o país e de todo mundo para trabalhar nestas fábricas e para fazer a ‘locomotiva’ funcionar.  A cidade cresceu de forma rápida e desordenada, desgarrou-se da capital emancipando-se em 1962 e   a urgência em resolver os muitos problemas de acomodação para aqueles que chegavam, a tornou um verdadeiro ‘caldeirão’ sempre prestes a explodir.
E, neste caso, a metáfora não é tão exagerada quanto se pensa, pois algumas explosões de fato aconteceram: a cidade foi palco de inúmeras greves trabalhistas e também na década de 1960 esteve no centro das muitas  lutas que envolveram tanto operários quanto estudantes contra a ditadura militar (é que muitos destes operários eram também estudantes universitários e esse fato explica a ‘qualidade’ das lutas trabalhistas que foram travadas por aqui).
 Vários artistas representativos da geração que lutou contra a ditadura moravam e ainda moram em Osasco. Ainda há pelos muros da cidade, reminiscências daqueles tempos, mas as fábricas hoje são poucas e embora a cidade ostente com orgulho desnecessário o fato de ser a 10º mais rica do Brasil e o governo local faça ‘aquelas’ propagandas, o que há é a mesma centena de prédios envidraçados com nomes americanizados (certamente), uma paisagem que quando  vista de cima ou de longe, lembra modernidade e pujança mas que, quando vista de perto, representa apenas o lado mais visível da tal pós- modernidade: os antigos bairros operários vão desaparecendo rapidamente, as antigas  casas são demolidas sem nenhum pudor para que se construam os tais prédios envidraçados com nomes americanizados, os muitos e muitos shoppings e viadutos vão tomando conta de toda paisagem e assim por diante.
 Hoje já são quase 1 milhão de pessoas por aqui – é a 6º mais populosa do estado - e o índice de área verde por habitante é um dos menores do planeta – 0,9m² por habitante, quando o recomendado pela ONU é de 6m² . É claro que a falta de segurança pública e todos os demais problemas gerados por tanta pujança são crescentes também: altos índices de violência, congestionamentos monstro quase todos os dias, mas  o pior de todos os problemas é aquela velha conhecida nossa, a política desonesta que se aproveita de todos os ingredientes deste caldeirão (afinal, este material todo é para eles muito farto e proveitoso) para fazer com que qualquer necessidade – educação pública, segurança, limpeza urbana etc. – pareça um presente, uma oferta generosa.
Osasco é ou não é a cara de qualquer cidade que você já conhece, caro leitor?
E os políticos daqui, lembram algo a você?

E os sofás?

Pois é nessa paisagem urbana acinzentada perdida entre o que seria a mistura de uma vila operária inglesa decadente com uma latino-americana ainda mais decadente, lugar no qual aqueles que (des) governam a cidade tentam construir a qualquer custo algo parecido com o que deve ser Miami ou sei lá o quê, que vejo pelas ruas o resto de toda essa pujança, assim abandonada sob a forma de... sofás!
Aqui em Osasco – ou terra de Os, como muitos carinhosamente a chamam -  é muito comum encontrar sob as árvores, pelas calçadas e praças e ruas,  sofás gigantescos, aqueles que as lojas popularescas vendem em não sei quantas vezes; aqueles que são feitos do material mais vagabundo que existe – porque se tudo mais está mudando tão rápido, está sendo engolido às pressas pelas tantas necessidades pós-modernosas, os sofás também precisam seguir estas tendências, como não?! -  são, quando não servem mais, simplesmente jogados nas ruas e ficam ali, se decompondo diante dos olhos dos passantes, como monstrengos tenebrosos que a mim parecem representar acima de tudo,  a imagem de um tempo que tenta parecer próspero, mas que esconde nas suas entranhas o aspecto que melhor define este nosso começo de século: a impermanência e a indefinição das coisas.
E, por coisas entenda-se desde a paisagem mutante desta cidade na qual vivo com seus prédios envidraçados de nomes americanizados e periferias atulhadas que não param de inchar; até estes simples sofás que largados assim pelas ruas, parecem representar, com certa dignidade (sim!) a decadência orquestrada pelas urgentes (?) necessidades do crescimento econômico a todo e qualquer preço.
 (Para ilustrar o texto, meu amigo Ricardo Inforzato, irritado também com os sofás abandonados (eles são muitos e ‘nascem’ da noite para o dia), criou a ilustração que abre o texto).