quarta-feira, 9 de maio de 2012

Ê Minas: uma crônica desenredada

Por toda terra que passo
Me espanta tudo o que vejo
A morte tece seu fio
De vida feita ao avesso


O mundo todo marcado
A ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo
A morte é o fim do novelo

O olhar que assusta
Anda morto
O olhar que avisa
Anda aceso

Mas quando eu chego
Eu me perco 
Nas tramas do teu segredo

Acho que todo mundo (?) deve conhecer essa música do Dori Caymmi e do Paulo César Pinheiro. Letra e música são tão bonitas e a melancolia que vai se revelando em palavras como ‘morte’ e ‘desprezo’ é muito necessária: não haveria como ser diferente um poema musicado sobre as Minas Gerais (aliás, queria saber a origem dessa música, o que levou os autores a comporem tão bela canção; mais bela ainda quando se sabe da escassez de boas músicas populares brasileiras hoje em dia).

Foi por isso que me lembrei dessa música numa hora nada apropriada. Não foi olhando pra’s montanhas de Minas enquanto saboreava um pão de queijo genuinamente mineiro (o clichê máximo) e sim quando, na solidão de uma rodovia esburacada às nove da noite, aguardava um guincho para buscar um carro que estava com os dois pneus estourados. Não simplesmente furados, e sim, estourados; tal a condição da estrada em que estávamos.



 
 trecho ruim...

O céu estava que não cabia de tanta estrela (morando em São Paulo, sinto muita falta de vê-las) mas ali, no ermo da BR 354, entre Campo Belo e Candeias, no acostamento estreitíssimo daquela rodovia esburacada – na verdade, não eram buracos e sim, crateras enormes – lugar no qual nenhum celular funcionava (nem Vivo, Claro, Tim e derivados) não havia lugar para romantismo ou poesia. Ali, naquela hora, era possível sentir apenas raiva e revolta e é aqui que talvez  caiba essa estrofe da música que veio na minha cabeça enquanto estava lá, como uma quase ironia: “ O mundo todo marcado/a ferro, fogo e desprezo...”; porque o fato é que nós nos sentíamos verdadeiramente desprezados.

(Ora, mas esse sentimento é tão comum a todos nós, cidadãos deste país, não é mesmo?)


 
...trecho bom


Eu sei que essa história parece sem pé nem cabeça, se lembrar de uma música tão bela na escuridão de uma estrada na qual só passavam caminhões monstruosos e nós lá, encolhidos no acostamento e implorando pela atenção de algum motorista¹ (quem hoje em dia para pra ajudar alguém quando se sabe que a violência é crescente em todos os rincões deste Brasil?).

Pois então (como dizem naquelas bandas) acho que me lembrei da música pelo seguinte: fiquei pensando porque Minas Gerais parece um estado inacabado, em suspensão, um estado ‘quase’; ali as coisas não são, podem vir a ser quem sabe, um dia, mas ainda não são.

E assim é que as rodovias² mineiras são ruins, esburacadas e nesta – BR 354 – tiveram o desplante de fazer o seguinte: há trechos asfaltados e trechos esburacados (veja as fotos e comprove): no Km 532, o asfalto é novo; já do 534 ao 536, as crateras são enormes; mais adiante, asfalto novo, no próximo, as crateras enormes e assim vai se indo (para onde, não sei rs).
...trecho ruim novamente.

Por que isso? Quebramos a cabeça pra tentar entender porque o (des) governo (estadual, federal) autoriza (?) serviços desse tipo. Embora seja uma rodovia federal – e  ‘imagino’ que caiba ao governo federal em conjunto com o estadual e ainda com as prefeituras locais (os vários poderes que todos nós sabemos muito bem como funcionam) o cuidado com as rodovias – o fato de o trabalho de recapeamento ter sido feito assim, de forma descontínua, é algo esquisito, pra dizer o mínimo.

E foi então que fiquei – eu, irmãs e cunhado – olhando para aquele céu tão bonito de Minas Gerais, um céu no qual não havia espaços entre as estrelas, pois eram muitas e muitas e isso era verdadeiramente belo; aguardando o guincho e nisso ia me lembrando da música, me lembrando que Minas é uma terra tão especial que inspirou e inspira tantos artesãos da escrita e da música mas toda essa capacidade de despertar emoções não comove ³  as ‘otoridades’ mineiras. Minas Gerais é um estado grandioso – em muitos e vários sentidos – mas quando se fala em desenvolvimento social e econômico; tudo (espero que haja exceções) parece ainda por fazer, tudo parece estar no aguardo de um tempo no qual as coisas possam se efetivar, se concretizar. Esse jeito mineiro da desconfiança, do esperar pra ver, daquelas piadas tão chatas que circulam na internet e que fazem as pessoas rirem tanto (os paulistas adoram); esse jeito pode até ser ‘engraçado’ e/ou exótico, mas sinceramente, quando a gente se vê abandonado numa rodovia esburacada  dentro do território dessa Minas que poderia ser tanto mas que aguarda o momento (quando?); não é nada engraçado e aí a música do Dori Caymmi faz todo sentido “Ê Minas, é hora de partir...” Vai ver que é por isso que tem tanto mineiro espalhado por esse vasto mundo.

¹ -  Pois é, mas não é que duas boas almas lá de Araxá nos socorreram?! Nunca esqueceremos aqueles dois rapazes que além de pararem, ficaram lá conosco, por duas horas (!!) contando causos e fazendo com que a gente confirmasse nossa esperança na raça humana e claro, no povo de Minas (essa gente que é sempre valorosa e simpática apesar dos governos e desgovernos).

² - Quando se mora em São Paulo por muito tempo – apesar de todos os problemas dessa cidade – a gente se acostuma, pelo menos, à qualidade dos serviços: quando se vai para o interior do estado as rodovias são muito boas (ah sim, e o pedágio é altíssimo, mas tem sua compensação), por isso, que mesmo que eu não queira e nem ache ‘legal’ fazer isto, é inevitável comparar. Sabendo claro, de todas as diferenças culturais que fizeram Minas ser o que é e São Paulo ser o que é. Aqui as rodovias são (muito) melhores e o povo cobra (muito) mais quando o governo não faz o que deveria fazer.

³ - Em Minas vi o comercial do governo mineiro sobre as maravilhas que tem sido feitas e sinceramente, acho que o Anastasia vive em outro planeta.


3 comentários:

Unknown disse...

em meio a ouro e crateras, Minas guarda seus desenredos e suas redes de poesia. felizmente, o insivísivel é presente, sempre, aos olhos de quem vê.

parabéns.

beijos
Débora Tavares

Anamaria disse...

Vou me repetir: Minas é poesia, a vida lá não.
Eu não consigo entender o porquê de tanto descaso com o nosso "Grande Estado"! As rezas, novenas e orações, tão presentes na vida dos mineiros, parecem ter o dom de acomodá-los na esperança de que "Deus dará um jeito".

As Viagens de CZARr disse...

Cara Ana,

a correria do dia a dia nos faz postergar algumas ações. Aproveito esse momento para fazer o que já deveria ter feito, que era entrar em contato com você para saber se tudo correu bem no restante da "viagem".

Eu e o Delson vivemos com a idéia da "corrente do bem", como viajamos muito, tanto de carro como de moto, sempre acontecem imprevistos, e sempre tentamos ajudar, pois muitas vezes somos nós que precisamos de ajuda. É um ciclo simples, ajudamos aos outros, e por incrível que pareça sempre que precisamos fomos ajudados, e é aí que o ciclo se fecha. É o que chamamos de premissa básica: "Fazer o bem sem ver a quem".

O resultado final da nossa viagem foram 3 rodas amassadas e 1 "muito" amassada, chegamos as 3 da manhã em Araxá, depois de resolver os trâmites finais da viagem no escritório, tivemos que ligar pro meu irmão ir nos buscar, pois uma das rodas (pneu) estava completamente vazia.

Quando morava em São Paulo e vinha nas férias e feriados para Araxá, tinhamos uma brincadeira ao cruzar a ponte que separa SP de MG, sempre falavamos a seguinte frase: "Agora vamos passar pela "ponte do tempo" e voltar 50 anos ao passado". Minas é um estado rico e que gera riquezas para o nosso pais, mas está muito aquém em infra-estrutura, e como você disse: Nosso atual governante, e também o anterior, "vive em outro planeta".

No mais, continuamos nos aventurando em nossas viagens e com isso conhecendo pessoas maravilhosas nos bons e maus momentos.

Abraços

Cesar B. Valadão