segunda-feira, 23 de abril de 2012

Antijornalismo: o post


Ou devemos levar a sério o que se escreve nestas folhas que acabarão no lixo?  Ideologias estampadas em papeis que embrulham frango e peixe; grandes opiniões que se pretendem definitivas sendo enterradas horas ou minutos depois por um novo e bombástico acontecimento. E a política? E as celebridades instantâneas? E os altos e baixos da economia guiando tudo isso -  desde a feitura dos jornais, algo que passa claro, pela contratação e demissão dos jornalistas,  e ainda envolve questões filosóficas como a efemeridade da fama, a passagem do tempo e etc.?
O jornalismo é a profissão dos que (pretensiosamente) querem editar o mundo.


Então todo mundo sempre falou que essa era uma profissão difícil, de gente de ego inflado que trata mal seus subordinados (quando sobe um degrau que seja), de empregos escassos e concorridos etc.  E que contem paradoxos, como este:  ao contrário do que se possa pensar, não é preciso saber muito sobre língua portuguesa para se tornar um jornalista.
Você nunca leu um livro na vida? Não importa: faça um curso de Inglês porque afinal de contas, ‘eles’ ainda (agora talvez seja a hora de aprendermos mandarim) mandam em tudo por aqui, digo, no mundo. Tem (muita) gente que mal sabe onde fica Itapevi ¹ mas já foi aos EUA e à Inglaterra para fazer o seu intensivão de Inglês e assim pensa que adquiriu uma visão contemporânea e muderna de ‘tudo’; e quando digo tudo é tudo mesmo.
Nada contra nada disso:  jornalismo também é isso.
Por outro lado:  jornalismo é outra coisa; o jornalismo bem que poderia ser tantas outras coisas...
O básico quem fez a faculdade aprendeu -  o que é lead, a ‘história da comunicação’, Adorno e Benjamim, Escola de Frankfurt, Capote e Talese; quem (a maioria, incluindo esta que escreve) diz com um olhar quase comovido e piegas (incluindo esta) que “desde criança quis ser jornalista” e etc. – e aqui eis que o básico se junta ao que a gente vai agregando ao longo da vida: o que se leu (e não se leu), o que a gente bem ou mal acredita (as esquerdas, as direitas e os centros); o que se ouve ( digo, que tipo de música se ouve;  é claro que isso é importante! Gosto musical também define o caráter das pessoas, inclusive, de quem é, quer ser desde o útero ou está estudando para ser jornalista) e por aí afora.
Esta é uma profissão desde sempre idealizada: acho que ninguém (?) pensa em ser jornalista para trabalhar num jornal de bairro que puxa saco do vereador X ou que vai mandá-lo para cobrir a festa de aniversário da filha do prefeito Y, ou pensa? (Se pensa, tudo bem, respeito toda e qualquer opção, afinal há contas (e muitas) a serem pagas todo mês).
Hoje a gente vive numa época tão absurdamente veloz, todos podem emitir opiniões (e isso é muito justo; ainda que as variadas bizarrices humanas assim expostas, por exemplo, em comentários virtuais inclusive de articulistas muito renomados (porque o que eles escrevem também são apenas comentários pessoais sobre isto ou aquilo; comentários guiados por suas muito específicas vivências, contradições e opções pessoais e etc.) aí nas redes sociais da vida; mas o jornalismo é uma coisa tão idealizada que alguns pensam que é preciso separar a opinião pessoal da  profissional.
Jornalista não pode dizer o que pensa impunemente;  profissionais são demitidos todos os dias por causa disso. Vejam: esta é uma profissão que está, por isso, visceralmente  e eu diria até, organicamente e eu diria até, filosoficamente, relacionada ao ego² (talvez por isso, embora isso não seja desculpa, eles sejam tão inflados).
Pois assim é essa profissão idealizada ao extremo, amada e odiada por aqueles que a praticam e pelos muitos que já tiveram o (des)prazer de serem fontes de alguma dessas criaturas.  Mas aqui talvez valha a pena lembrar que toda a pressão, a velocidade e etc., que envolve o fazer jornalístico – principalmente nas redações de jornais e TV – não deveria, apesar disso, excluir a questão da ética. Essa palavrinha curta, incômoda para alguns e parece que até meio antiquada; ainda (e tomara que sempre) resiste como fundamento teórico em algumas faculdades e isso é ótimo.
Diante de tantas elucubrações – mas eu criei este blog justamente para isto – sobre o tal jornalismo, sobre a dificuldade em se fazer jornalista, em encontrar um emprego razoável  e se manter nele (o rodízio é grande!) foi que resolvi dar este nome para o blog: antijornalismo.
E embora tenha feito tudo errado neste texto – enchendo linguiça e explicando o post somente  no final (se alguém se animou a chegar até aqui, merece essa explicação)  - devo dizer simples e finalmente isto: se o jornalismo feito hoje pelos ‘grandes’ é este que está aí³, eu gostaria com toda a humildade do mundo, mas também com toda fé (perdoem novamente o pieguismo) escrever sobre pessoas, situações e o que quer que seja, indo contra tudo isso, daí o antijornalismo.
Mas não me levem tão a sério: o que eu quero verdadeiramente é resgatar meu desejo de ser jornalista, falar do que existe ao meu redor a quem se dispuser a ler, apenas isso.
Ora, mas o jornalismo não deveria ser básica e essencialmente e naturalmente, apenas isto, dirão os incautos?
Mas se assim fosse – quanta ingenuidade cara Ana Claudia – o que seria das grandes corporações, das redes de tevê que se juntam às igrejas evangélicas e/ou católicas; das igrejas evangélicas e/ou católicas que se juntam aos políticos dos partidos X, Y e Z; dos políticos (corruptos, quase sempre ou sempre) que são fontes privilegiadas dos canais e das revistas* A, B e C; das faculdades que tem relações esquisitas com estes ou aqueles nomes jornalísticos porque estes ou aqueles nomes são provas de (duvidoso) sucesso profissional e tais faculdades até pagam para que estas pessoas façam propagandas e digam que apresentar tal programa horroroso na TV X é o ápice da carreira e etc.
Pois é nessa terra coberta de minas explosivas, como o chão de Moçambique ou da Bósnia, que caminham os jornalistas, além da pretensão, como se vê, é preciso boa dose de loucura para sobreviver nesta profissão e, no final das contas, não importa muito se as grandes ideologias vão embrulhar peixe ou frango se pensarmos que tudo mais nesse mundo terá o mesmo destino (o ocaso, o vácuo, o nada... Deus...? Agora, só faltaria tocar aquela música do Raul Seixas, ‘aquela’, sabem?! rs) e, no mais, efemeridade – penso eu – não é (ou não deveria ser) desculpa pra não se dar mais valor à vida, ao que se escreve, ao que se pensa e se lê, e claro, às músicas que se ouve. Tudo isso é alimento para o cérebro! E o cérebro carece sempre de cuidados porque senão as ideias emperram, enferrujam, apodrecem e etc. e etc.
1-      Itapevi é uma cidade da grande São Paulo: quando se fala ‘grande São Paulo’ (ou grande Belo Horizonte ou grande Recife) a gente pode esquecer  das muitas cidades no entorno dessas ‘grandes’ e, além do mais, nós brasileiros temos tendência a saber mais sobre uma cidade do sul da França do que sobre as cidades do nosso país. Até quando isso? Será sempre chique (?) saber mais da Europa do que de nós mesmos? (Sim, eu sei que esse papo é anacrônico nesse nosso mundo globalizado, mas hoje eu quero ser anacrônica, sabem?).
2-      Ego (em alemão ich, "eu") designa na teoria psicanalítica uma das três estruturas do modelo triádico do aparelho psíquico. O ego desenvolve-se a partir do Id com o objetivo de permitir que seus impulsos sejam eficientes, ou seja, levando em conta o mundo externo: é o chamado princípio da realidade. É esse princípio que introduz a razão, o planejamento e a espera no comportamento humano. A satisfação das pulsões é retardada até o momento em que a realidade permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de consequências negativas. A principal função do Ego é buscar uma harmonização inicialmente entre os desejos do Id e a realidade e, posteriormente, entre esses e as exigências do superego.  O Ego não é completamente consciente, os mecanismos de defesa fazem parte de um nível inconsciente. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ego ) Entenderam porque os egos jornalísticos são inflados e você é quase sempre sufocado por eles ao abrir o jornal, a revista, ligar a TV ...?
3-      Não sei quanto a vocês, mas acho o jornalismo feito hoje pobre (é que tenho certa compulsão por ir a sebos e comprar revistas velhas tipo Realidade, Claudia, Visão... Sim, é claro que tudo mudou de lá para cá, mas com toda a parafernália tecnológica que temos hoje não poderíamos fazer algo melhor? E ainda: é claro que há honrosíssimas exceções, mas no geral, pobreza generalizada).
4-      Sobre as relações estranhas entre política e mídia sugiro a leitura deste texto no blog do meu amigo Ricardo Faria: http://boletimdehistoriaricardo.wordpress.com/2012/04/11/numero-322/

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A história de Elisa


André Monteiro*



Um dia a Elisa chegou em casa e percebeu que o cara com quem ela estava casada havia quatro anos e meio tinha levado tudo. Por tudo entenda-se: ‘tudo’ o que eles tinham comprado juntos no começo da ‘linda história de amor’ que até então, viviam.
Tudo: fogão, geladeira, cama, sofá e aparelho de som.
Aquele era o tempo das festas de fim de ano, os dias nos quais as pessoas são forçadas pela tradição natalina e consumista, a saírem de suas rotinas e as empresas até organizam almoços internos e todos se cumprimentam, sorriem e podem (finalmente) chegar em casa antes que o trânsito em São Paulo fique ‘daquele’ jeito.
Pois foi por isso que a Elisa chegou em casa mais cedo, ela que trabalhava bem longe, do outro lado da cidade, participara de uma confraternização (a palavra é bonita) na empresa e até pudera levar seu filho, o Pedro (um menininho lindo, de olhar triste que na época tinha 4 anos).
E, então, ambos felizes e afoitos e ungidos pela harmonia que confraternizações provocam (e ainda: carregando presentes e sacolas e lembrancinhas) abriram a porta da casa simples dessa rua igual a todas as outras ruas da cidade pós-moderna que é São Paulo, uma das maiores cidades do mundo e etc. e encontraram um espaço branco e oco e amplo, como devem ser os ermos e gelados mundos lá no Alasca ou na Antártida e tudo parecia mais frio; terrivelmente frio, porque a Elisa estava ‘em  transe’ e  nem sentia mais a mão do Pedro, porque a mão dele, sempre tão quentinha, também estava fria, fria.
(Crianças não deveriam – nunca – passar por coisas como essas; essas situações de desamparo e dor que nem adultos suportam bem; aliás, suportar ‘bem’ as dores cotidianas, quem há de...?)
E então, mãe e filho, se sentaram ali no piso mesmo, no branco (sim, é mesmo branco) e também gelado, piso da sala, e foram jogando para lá os restos da confraternização de minutos antes – e dos abraços e desejos de ‘felizanonovo e etc.” – e choraram...
A Elisa chorou como criança, ao lado do Pedro que, não podendo ser criança naquela hora e não conseguindo fantasiar e sumir pelos ares cinzentos daquele dia que se tornara, em segundos, tão tenebroso; apenas ia sentindo a falta do homem que ele chamava de pai, assim, aos poucos, e os olhos dele pareciam maiores ainda e mais tristes ainda, assim como devem ser os olhos daqueles homens que, apesar de todo o esforço, ficaram pelos descaminhos da Antártida e do Alasca, soterrados por camadas absurdas de neve e deles nunca mais se ouviu falar.
Assim também o desamparo da Elisa e do seu filho, Pedro.

A Elisa foi casada durante quatro anos e meio com um homem segundo ela, ‘maravilhoso, perfeito, bom em tudo – tudo mesmo”, ela diz, refeita – e que se preocupava com ela, com seu cansaço, seu filho (que ele adotou como se, das suas entranhas, e o menino dormia abraçado a ele)suas contas; que era enfim “um príncipe encantado, aquele homem com o qual toda mulher sonha, ‘aquele’, sabe?!”. 
Esta história aconteceu há seis anos e hoje Elisa vive sozinha com o filho, na mesma casa pequenina e ela continua trabalhando como sempre trabalhou e já conseguiu comprar tudo novamente – ‘tudo melhor do que antes”, diz, orgulhosa.
Elisa fala que não pode odiar um homem que a fez tão feliz e foi tão perfeito, por que afinal, quantas mulheres há, que nunca poderão dizer ‘eu amei e fui amada de verdade?’.
(*A ilustração mais que adequada deste primeiro post é do professor André Monteiro dos Santos a quem agradeço a parceria e a generosidade).