segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


Escolas: lugares de paz ... Ou não?



Ana Claudia Vargas

A cena se repete:  as pessoas colocam velas,  choram e se abraçam, inconsoláveis; a polícia faz o habitual cordão de isolamento, autoridades concedem entrevistas para uma multidão de jornalistas que precisam de respostas (quem as tem?) urgentes e esclarecedoras, especialistas nisso e naquilo são chamados às pressas, mas nem eles sabem o que dizer (essa é a verdade).

E ainda há aquelas fotos sendo divulgadas: as crianças tão lindas como são todas – pois até aquelas não tão lindas, agora tem suas imagens revestidas de certa beleza  (haja manipulação midiática!) –  com aquela alegria que parece eterna, típica da infância.


E assim, tudo segue como sempre: até o presidente da nação poderosa chorou e disse que eles ‘não estão fazendo o suficiente’. Bom, ao menos lá eles são capazes de reconhecer suas imperfeições.

Estas são algumas das imagens  que envolvem ‘mais um massacre em escola norte-americana’, mais um,  outro, naquele país no qual as armas são tão incensadas, no qual as pessoas gostam de ser fotografadas empunhando armas, no qual as pessoas têm o hábito de passarem para os filhos o ‘amor às armas’ e etc.

Eu fiquei pensando: se esse rapaz aí – que dizem, era tímido, reservado, inteligente e isso e aquilo – com todas as suas neuroses humanas devidamente calibradas, não tivesse uma arma ali, dentro de sua própria casa, isso teria acontecido?

Talvez ele fosse pensar em outro modo de mostrar sua raiva, talvez fosse arrumar o que fazer, talvez ele fosse apenas mais um dos tantos que sofrem no ambiente opressor das escolas e leva aquele tempo vida afora como uma lembrança não tão feliz e só.

Afinal, quantos de nós não guardamos alguma lembrança desagradável dos tempos da escola? Professores despreparados (eu guardo muitas, afinal, tive que estudar num ‘bom’ colégio católico... Mil anos de análise por isso rs), aqueles variados acontecimentos carregados de preconceito, humilhação, arrogância e por aí afora. (Mas guardo muitos momentos felizes também...poucos rs).

Perdi a conta da quantidade de vezes em que vi crianças pobres sendo humilhadas pelos professores tão bem intencionados ou pelos outros alunos, digamos, mais bem aquinhoados ou não. Já se passaram tantos anos e eu ainda me lembro.

O ambiente escolar já foi e sempre será um prato cheio para  debates psicológicos, sociais, cinematográficos, ficcionais ou não  e etc. etc. Ali naquele caos organizado à força, acontece de tudo  - de ruim, de bom - e o constante conflito que emerge das relações professor-aluno; aluno-aluno; professor-professor, professores-paisemães...realmente, compõe uma matéria prima riquíssima para quem se dispõe a analisar a coisa toda (quem sabe o Lars Von Trier não encara o desafio e faz um filme com essa temática? Torçamos!).











Escolas: quantas neuroses coletivas, não?!
(foto: Samuel Gompers - 1888)



Reflexo do mundo

Agora, imagine no meio de tudo isso, com as devidas diferenças (temporais, sociais e outras mais) uma pessoa que já tenha as suas neuroses, que esteja na fase mais vulnerável da vida – a infância  e a adolescência – e se sinta sempre desprezado e inadequado ou as duas coisas juntas. 

Em seguida coloque dentro da casa dessa pessoa, uma arma qualquer – lembrando que se trata de uma pessoa solitária numa família que não tinha, segundo os jornalões,  o hábito do diálogo– e junte a tudo, o cotidiano numa sociedade individualista que colabora para que alguém assim (ao sair para o ‘mundo’, para além dos muros da escola) se torne ainda mais só. 

O que temos é isso: um assassino em potencial tendo diante de si tudo – exatamente tudo - o que ele precisa para descarregar seu ódio em quem estiver pela frente.

Mas tudo isso você está cansado de ler, o que eu fico pensando é que há muito ressentimento acumulado para que pessoas como este rapaz voltem todo o seu fermentado ódio para os lugares nos quais estudaram. Vejam: eles voltam ‘lá’, imagine o quanto eles carregam de más lembranças para fazerem estes espetáculos sangrentos sempre ‘lá’, nas suas antigas escolas.

Esse massacre, os anteriores e os futuros deveriam levar todos nós a refletirmos sobre o quanto os ambientes escolares podem ser perversos, pois quanta gente há que vai lecionar porque não achou coisa melhor pra fazer – o que favorece o peso das más energias -  quantas crianças existem que recebem uma educação carregada de preconceitos em casa e levam isso para o convívio escolar?

É claro que nada disso justifica que alguém  saia por aí assassinando crianças ou professores bem ou mal intencionados, mas lembremos: a humanidade deve seu (suposto) desenvolvimento também às  variadas formas de violência (não sejamos hipócritas).

A violência existe dentro da escola porque existe fora dela, como torná-la um lugar imune a ela se seres imperfeitos (como somos todos) estão em toda parte?

Este massacre oferece (novamente) a ‘oportunidade’ de refletirmos se esse modelo social é bom para todos nós, quer dizer, para alguns não é – como temos visto diariamente - e dependendo das particularidades desses ‘alguns’, poderemos ter ainda muitos casos tristes como esse.
É esperar para ver.



A paz é possível?

 
                                                        Paulo R. Santos

Sim, claro! A paz é possível se a desejarmos e a construirmos no cotidiano. A construção da paz não passa por eventos grandiosos, campanhas ou por alguma outorga do Estado. A paz não se impõe, exceto a paz dos mortos, a paz dos túmulos. A paz é uma escolha individual que se realiza coletivamente.

Mas, o que é a paz? Não é difícil concluir que é bem mais que a ausência de guerra. A paz é um estado de bem-estar físico, emocional, mental, espiritual, com nosso interior e com o exterior, com tudo aquilo que nos rodeia. Não é um presente dos deuses, é o resultado de uma escolha consciente das consequências e também dos ganhos, mesmo que parciais.

A paz é uma decisão pessoal, íntima, baseada numa interpretação correta da vida e do mundo, sabendo que 'interpretação correta' não significa perfeita ou definitiva, apenas saber ver o mundo com mais clareza e menos espírito de rebanho, sem a mentalidade pasteurizada e robotizada tão comum em nossos dias.

A paz implica escolhas e, portanto, perdas. Abrir mão de algumas coisas para se ter outras. A paz interior depende de rupturas com vários padrões de comportamento que, mesmo sendo comuns, não são saudáveis. Consumismo, rivalidades, moralismos, ganância, competição, culto ao corpo, noção equivocada de progresso (como acumulação de bens), desprezo pelo conhecimento, negação do 'outro', individualismo e tantas coisas mais que precisam passar pela mente de quem busca a paz.


A paz: miragem ou possibilidade real?





A paz não vem sem esforço e é resultado de pequenas ações no cotidiano. A cordialidade, a gentileza, uma boa música, um bom livro, um bom filme, uma boa conversa. Reaprender a dialogar e aprender a dar nomes aos próprios sentimentos. Resolver os conflitos internos e externos através da compreensão dos mesmos, e sabendo que jamais poderemos viver completamente isentos de conflitos, qualquer que seja a natureza deles.

Paz e felicidade se parecem muito. Três séculos antes de nossa era, o filósofo grego Epicuro de Samos definiu a felicidade como a saúde do corpo e a serenidade do espírito. Felicidade é um estado de alma e o nome de um sentimento. Paz vai além e depende do que é possível construir com o 'material' disponível à sua volta. Procure a 'Carta sobre a felicidade', de Epicuro, disponível na internet!

Tanto a paz quanto a felicidade serão sempre relativas, incompletas e instáveis. É bom saber disso, pois nada na vida é estático, parado ou imutável. Se a vida é dinâmica, será necessário estar atento para dar 'manutenção' à paz possível, corrigindo atitudes, rotas, escolhas. De qualquer forma, sem determinação, não haverá paz alguma.

Um novo ano se aproxima e esse tem sido um momento psicológico propício para planos e projetos.
Escolher a paz e a felicidade, sem imaginar que nos serão concedidas ou outorgadas, é uma boa escolha e um bom projeto. Não terceirizar sua realização, pois assim as colocamos na dependência dos outros … e isso é sempre muito arriscado!

 Paulo Santos edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/


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 Meio ambiente


Prosperar sem crescer: é possível? 


Por Marcus Eduardo de Oliveira (*)

É possível fazer uma economia prosperar sem que haja crescimento, sem que haja mais produção de bens e serviços? É factível ter uma vida melhor com equilíbrio e justiça social sem passar pelo aumento do estoque de produtos disponíveis no mercado?


Se entendermos que a economia é limitada pelos recursos naturais e pelos ecossistemas fica fácil aceitar que há então explicitamente limites para o crescimento, uma vez que a Terra não é capaz de sustentar elevadas produções físicas além das consideradas normais e, crescer, nesse caso, seria antieconômico e contraproducente.

Contudo, se concordarmos com a prédica dos economistas convencionais de que os recursos naturais são meras ocorrências de externalidades, que todo e qualquer impacto na natureza em decorrência da atividade produtiva expansiva é uma questão tão somente de ordem periférica e que a inovação tecnológica, um belo dia qualquer, suprirá a atual limitação natural, então, crescer, nesse caso, é a única receita viável para se alcançar elevados padrões de bem-estar e de melhoria acentuada das condições de vida.

Diante disso, o debate está posto à mesa. De um lado, os economistas ecológicos pontuam continuamente que o planeta não tem capacidade de sustentar a vida nesse ritmo avssalador de consumo, pois as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o esgotamento dos recursos naturais e o desaparecimento de ecossistemas estão indo à exaustão. Quem está desse lado do debate se posiciona de forma contrária ao crescimento sem limites, uma vez que isso seria potencialmente emissor de gases capazes de aquecer ainda mais o planeta, fruto do desrespeito aos limites biofísicos do meio ambiente.

Do outro lado do debate, há quem defenda que chegaremos em breve a praticar com eficiência o uso dos recursos, preservando - e não destruindo -, a riqueza natural. Quem está desse lado diz que é justamente o crescimento, vindo da inovação e de tecnologias avançadas que fará a prosperidade aumentar e que ultrapassando as fronteiras ecossistêmicas nada acontecerá de mais grave ao conjunto da vida social.

Esse debate se acirra a partir do seguinte ponto: crescimento não significa (e nunca significou) desenvolvimento. Crescimento é a expansão das bases físicas da economia (fazer mais), o que significa aumentar a pressão sobre os recursos naturais, ao passo que desenvolvimento é assegurar melhorias nas condições de vida – viver melhor. O primeiro conceito - como é natural supor - se prende ao lado quantitativo (mais); já o segundo se refere ao aspecto qualitativo (melhor).

Estudos recentes indicam que a economia global tem hoje cinco vezes o tamanho de meio século atrás. Continuando com esse ritmo de produção, no ano de 2100 terá 80 vezes esse tamanho. Pior: esse exagerado crescimento econômico atingido até agora distribuiu pessimamente os recursos. Atualmente, um quinto da população mundial recebe meros 2% da renda global.

Assim, a ideia de prosperar não encontra fundamento no princípio do crescimento. Corroborando com isso, ao menos dois renomados especialistas tem recomendado modelos econômicos e estilos de vida que priorizam o lado qualitativo.

Peter Victor, o primeiro deles, é o autor de Managing Without Growth . Ao estudar o modelo de desenvolvimento para o Canadá no decorrer dos próximos 30 anos, Victor assegura que é possível prosperar sem crescer. De que forma? Criando um modelo econômico que seja capaz de equilibrar a capacidade produtiva da economia com o nível de gastos para que haja pleno emprego, sem necessariamente manter a economia expandindo ao longo do tempo.  O que o modelo faz é empregar os benefícios de um aumento de produtividade na forma de mais lazer – vida melhor.  Nas palavras de Victor: “Assim, podemos nos tornar mais produtivos sem ter de produzir mais, apenas trabalhar menos.  Desde que haja distribuição, é possível ter muito menos desigualdade, sem crescimento”.

Outro renomado especialista no assunto é Tim Jackson, autor de Prosperity without Growth - Economics for a Finite Planet para quem “os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim”. Jackson afirma que o mais importante é procurar viver bem, e não viver com mais. Nas palavras de Jackson: “Viver bem está ligado à nutrição, a moradias decentes, ao acesso a serviços de boa qualidade, a comunidades estáveis, a empregos satisfatórios. A prosperidade, em qualquer sentido da palavra, transcende as preocupações materiais. Ela reside em nosso amor por nossas famílias, ao apoio de nossos amigos e à força de nossas comunidades, à nossa capacidade de participar totalmente na vida da sociedade, em uma sensação de sentido e razão para nossas vidas”.

Como vimos, o debate está lançado. Acima de tudo, que a vida e o planeta sejam respeitados. Assim, todos nós agradeceremos.

(*) Economista e professor. Mestre pela USP em Integração da América Latina.


















terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Faça-se a LUZ!




Ana Claudia Vargas


Esse lugar fica ali ao lado do Bom Retiro – o bairro das confecções cujos donos são judeus, coreanos ou chineses e nas quais trabalham muitos imigrantes latino-americanos – perto da Estação Júlio Prestes (linda) e de centenas de prédios degradados (triste) . Ao redor, a gente vai encontrando todo tipo de gente: com caras sofridas ou cansadas, com cara de estudantes ou intelectuais que passeiam ali nos museus próximos; gente branca, negra, amarela e de cores indefiníveis (pois morar na rua destrói a pele de qualquer criatura humana).






Ana Claudia

Aqui deve ter sido um lugar bem glamoroso em tempos passados, ainda restam uns casarões, uns prédios baixos com ares dos anos cinqüenta e é aqui, bem no centro, que fica esse parque que resguarda entre suas árvores centenárias e lagos e chafarizes, algo do que deve ter sido o sonho dos paulistanos antigos. Aquele desejo não disfarçado de que essa cidade seguisse um modelo de desenvolvimento europeu como, talvez,  uma Londres tupiniquim.


Ana Claudia



Como sabemos isso não deu muito certo porque São Paulo fica no Brasil e o Brasil fica na América Latina e então, é assim que a cidade se desenvolveu: do jeito que foi possível, agregando o povo dos outros estados do seu próprio  país periférico (para desgosto de alguns); à custa (também) do trabalho desse povo todo e agora, eis que a cidade é isso: uma das maiores metrópoles do mundo – inchada, degradada -  e que já não tem mais para onde se espichar. Até lá longe, no que resta da mata atlântica, suas longas vias já chegaram e seus planaltos já possuem milhares de moradores empilhados de uma maneira que sempre me faz pensar: como essas pessoas conseguem morar naqueles lugares?  


ACV


Mas voltando ao centro:  é aqui que  pulsa esse coração verde chamado Jardim da Luz. Dizer que é um oásis no meio da degradação e da tentativa de reorganização urbana – muito necessária, aliás – é correto, mas não faz justiça ao parque.

O jardim da Luz é muito mais do que isso e você verá por que.





Segundo o site do parque * “(...) existem ali 73 espécies de animais das quais 67 são aves. Há registros do cágado-pescoço-de-cobra, de peixes como carpas, tilápias e acarás e, aves, como socó-dorminhoco, irerê, martim-pescador-grande e frango-d’água-azul. Rapinantes como o gavião-caboclo e caracará foram avistados. No bosque ocorrem algazarras de periquitos, maracanãs e papagaios, além da presença de pombas silvestres e de diversas espécies de beija-flores e papa-moscas (tiranídeos: pássaros da família do bem-te-vi) que ali foram registradas. O Parque por ser uma “ilha verde” em meio à urbe, é, de fato, importante parada obrigatória para aves florestais que por ali passam a exemplo: beija-flor-preto, tucano-de-bico-verde, tucano-de-bico-preto e bem-te-vi-pirata. A população de bicho-preguiça que habita o Parque desde o final do século XIX, é na verdade, herança do primeiro e extinto jardim zoológico paulistano”. Já a vegetação é “composta por bosques e jardins implantados com espécies como alecrim-de-campinas, andá-açu, chichá, corticeira, jenipapo, magnólia-branca, manila-copal, oiti, pau-marinheiro, pau-ferro, sapucaia e sol-da-mata. Destacam-se as alamedas de falsa-figueira-benjamim e de guatambu (...).

E, devo ressaltar: tudo isso é bonito demais de se ver.
E, ainda: tentei fotografar um sabiá e um bem-te-vi, mas eles não ‘deixaram’ rs.


Fauna (humana)

Era sábado e centenas de pessoas passeavam pelas alamedas do Parque da Luz. Tanta gente de tantos lugares diferentes, tantas pessoas de idades variadas, de jeitos diversos e todas tendo em comum certa expressão de alegria, sofrimento ou resignação.



É gente que está na base da base da tal pirâmide social, essa. Grupos enormes de bolivianos ou colombianos ou peruanos (desculpem minha ignorância: todos tinham traços indígenas e eles não quiseram ser fotografados) que como se sabe, quase sempre trabalham nas confecções paulistanas muitas vezes em condições miseráveis. Mas ali no Parque eles estavam todos felizes com suas crianças e seus refrigerantes. Muitos homens desses que parecem trabalhar em serviços braçais, muitos idosos, muitas mulheres dessas das quais se diz que  levam uma  vida ‘fácil’...



E preciso dizer que entre essas mulheres há desde menores de idade àquelas que já são bem mais do que maiores, digo, mulheres com mais de 70 anos (e eu pretendo falar delas numa próxima oportunidade).




Espalhadas pelas alamedas há esculturas e obras de arte impactantes, afinal, o parque abriga a Pinacoteca do Estado, na minha opinião, o lugar mais bonito e surpreendente dessa cidade.





E se o parque é assim tão belo por que tem essas grandes e frondosas árvores antiqüíssimas que refrescavam o dia insuportavelmente calorento ou ainda ou porque guarda esses resquícios da história de uma cidade que se tornou absurdamente imensa, mas que nos idos do século retrasado, era feita apenas dos sonhos ambiciosos  dos imigrantes de fora ou de dentro do Brasil... eu não sei.





O que sei é somente que o Parque da Luz era na tarde de sábado,  uma celebração de vida de pessoas que parecem não ter nada a não ser o desejo de andarem por suas alamedas e se esquecerem um pouco que seja, da vida dura que levam ‘lá fora’, lá onde a cidade oprime e despreza.


Essas mulheres que vendem o corpo, jovens ou velhas, esses  homens que vendem a força do trabalho, também jovens ou velhos; as crianças, filhas dos imigrantes latinos, os negros e os brancos -  eu vi uma senhora japonesa bêbada e mendiga e isso me causou espanto, só ali eu poderia ver isso – toda essa multidão em aparente (?) harmonia ali, no Parque da Luz, centro da cidade de São Paulo, fez com que eu pensasse que o sábado era uma celebração da vida em suas mais variadas e surpreendentes formas (que clichê terrível!).






Para terminar, digo: é um bom programa para os sábados passear no Parque da Luz. Se você mora em São Paulo e não conhece, não perca mais tempo; se não mora, quando vier coloque no seu roteiro.


A Pinacoteca






Pois é, e é no meio disso tudo aí – dos variados tipos de gente e de pássaros e outros bichos – que está a Pinacoteca do Estado. Um prédio de tijolos aparentes, de ar também antigo e que sempre tem exposições maravilhosas. 







Já perdi a conta do número de vezes que fui à Pinacoteca e sempre há um canto novo a descobrir. 










Além da arquitetura acolhedora e ampla, o fato de estar ali dentro do Parque e numa região em constante reconstrução  - como é hoje a área formada pelas grandes avenidas que desembocam no ‘centrão’ -  confere à Pinacoteca uma aura de lugar de passagem e ao mesmo tempo, é como se aquele prédio  fosse um porto e oferecesse segurança e certa dignidade à  enormidade de pessoas que cruzam diariamente, incessantemente e há décadas,  a grande avenida em frente, as escadarias do metrô ali ao lado e etc. 









Dizem que São Paulo não para (e isso é correto), mas é preciso que haja no meio de tanta correria, um descanso para os olhos e a mente, e a Pinacoteca oferece exatamente isso.






Resistindo bravamente ali no centro, ela é como um farol que das entranhas do Parque da Luz, ilumina toda essa gente e revela muito mais de São Paulo do que qualquer tese ou tratado ou discussão antropológica ou sociológica jamais será capaz de fazer.





Todas as fotos: Ana Claudia Vargas

Sites que oferecem informações mais detalhadas:



http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/regiao_centrooeste/index.php?p=5757




Geraes de Minas 

Hoje o colaborador oficial desse blog - Paulo Santos -  fala de Minas por outro viés: o literário. 

Quantos causos como esse que ele conta nós mineiros já não ouvimos aqui e ali nas cozinhas e alpendres e praças das Gerais?

São tantas lendas e histórias que a gente não sabe se foram inventadas, vividas ou sonhadas. 

Mas nada disso importa e sim, que tais causos oferecem a grata oportunidade de conhecer mais da alma dos mineiros por meio de histórias assim,  verdadeiramente saborosas.



Lasara Vargas
Pode-se viver muito em um único dia!




Cavalos, armas, aparências

                                                        Paulo R. Santos

Diziam que era um homem perigoso. Quando ele aparecia na pequena cidade para as compras habituais, que depois levava para a fazenda, a recomendação dos adultos era para que, nós crianças, não criássemos problemas com o tal fulano, tido como valentão.

Certa vez eu o vi mais de perto, numa esquina, em cima de seu cavalo, com sua barriga enorme, e debaixo daquela barriga enorme um revólver que - segundo diziam -, era sua companhia inseparável. Olhou-me indiferente. Tive medo, mais pelo que diziam dele do que por algum olhar, atitude ou sinal de animosidade.

Anos mais tarde, já morando na capital, fiz uma visita à cidade natal e de lá toca para a região da fazenda do dito cujo. Um amigo de infância e eu, já um pouco mais que adolescentes, fomos até o casarão antigo onde morava o tal valentão, mortos de sede e de cansaço pela caminhada, já sem a antiga condição física para andar como antes. Os familiares dele continuavam seus afazeres como se não estivéssemos alí. Mas, receber gente de passagem era coisa comum demais naqueles tempos!

Recebidos com cordialidade. Café e um dedo de prosa sobre qualquer coisa, e bateu saudade dos tempos em que andava a cavalo por aquelas bandas. Arriscamos um pedido. Dois cavalos para um curto passeio pelas vizinhanças. Não pôs impedimento e apontou logo os dois que poderiam ser montados. Cavalos pegos, arreados e prontos, saímos pela região ainda bem conhecida naqueles tempos.

Menos de duas horas depois estávamos de volta. Tiramos os arreios dos animais e jogamos água no lombo deles, como é praxe, para fazer escorrer o sal que se acumula e pode criar 'pisaduras', aquelas feridas que demoram a curar.

Em nenhum momento, qualquer sinal de valentia ou de algum sentimento descortês. A seu modo, nos tratou bem, sem a arma na cintura. Agradecidos pela oportunidade de relembrar tempos idos, voltamos para a cidade, onde esse amigo ficou e eu retornei para a capital.

A lição moral desse pequeno fragmento de recordação da infância ficou bem clara: não acredite em tudo que ouve a respeito de coisas e pessoas, e nem julgue pelas aparências. Pode ser o que revólver era só para 'impor respeito', e que talvez nunca tenha sido, de fato, usado. Pode-se viver muito em um único dia!

Paulo Santos edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/

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Meio Ambiente



No artigo abaixo o professor Marcus Eduardo, economista 'do bem', faz uma pergunta direta e que carece de uma resposta urgente: o modelo de desenvolvimento atual alardeado como 'sustentável' é, afinal de contas:



Sustentável para Quem?






As consequências para a natureza de toda e qualquer economia que prioriza e faz de tudo para atender aos ditames do mercado que clama cada vez mais por excedentes na produção e no consumo (20% da humanidade consomem cerca de 80% dos recursos), atingindo picos de crescimentos inimagináveis (nos últimos 50 anos a economia aumentou em cinco vezes seu tamanho) é previamente conhecido: irreversível destruição ambiental, desmatamento em larga escala, poluição acentuada, queimadas constantes, escassez ecológica, extinção das espécies, emissão de gases de efeito estufa, entre outros. 
Quem paga o preço é a natureza; mas quem sofre as consequências somos nós. O mercado é abastecido em nome desse modelo econômico-produtivo perverso e criminalmente responsável pela degradação ambiental - os mesmos 20% da humanidade mais consumistas produzem 80% da poluição total do planeta – descapitalizando assim a biodiversidade, colocando a vida em sério risco. Uma hora qualquer – espera-se que não seja tarde demais - alguém irá perceber que as palavras do cacique Seatlle ditas em 1854 ao governante norte-americano estavam pontualmente certas: “(...) Depois que a última árvore for abatida, eles vão perceber que não dá para comer dinheiro”.
Nunca é demasiado aludir que não se pode medir crescimento de uma economia quando, por exemplo, se derruba uma árvore, se põe ao chão um Jequitibá de 200 anos, quando se polui um rio ou se contamina uma nascente. Se isso tudo contribui para fazer o PIB subir, e de fato contribui, o nome disso só pode ser insanidade e estupidez econômica.
O certo é que não há economia que prospere e se mantenha ao longo do tempo nas bases dessa patologia que enaltece a destruição em prol de excedentes mercadológicos.
E não é que para atenuar esse discurso da destruição das bases naturais criadora de crescimento econômico falacioso, os economistas modernos, ditos tradicionais, rapidamente criaram a expressão “desenvolvimento sustentável”?
No entanto, não são poucos os que cometem crasso equívoco na vã esperança de que essa palavra mágica (sustentável) seja algo de fato aplicável e benéfico. 

Em relação a isso, resta indagar: sustentável para quem? Como? Quando? Onde? Ora, continuando a exploração desenfreada de recursos naturais para o atendimento às solicitações vindas do mercado, como se a razão precípua do viver fosse unicamente frequentar as prateleiras dos supermercados e shopping-centers, não só se torna impossível sustentar esse crescimento como o mesmo é, na verdade, uma bomba-relógio potencialmente destruidora.
Desse modo, essa expressão sustentável é então, por si, falaciosa e de pouco valia. Num projeto de desenvolvimento econômico que se pretende ser sério e equilibrado, pautado pelas linhas mestras da competição, não é factível buscar a condição de sustentável uma vez que essa competição feita pelos mecanismos previamente conhecidos do modo capitalista de produção e consumo, apenas faz produzir mais exclusão à medida que uns poucos ganham e triunfam sobre a derrota de centenas de milhões de pessoas. Que fique bem claro: exclusão é conceito que não combina com a abrangência do termo sustentável.
Ademais, pelo lado da economia tradicional, argumenta-se insistentemente que o desenvolvimento sustentável é exeqüível, pois, um belo dia, a natureza irá responder pelas demandas dos recursos renováveis. Aqueles que defendem esse argumento se esquecem de que o universo é finito e não aumentará de tamanho.
A escala de valores que deve predominar então, caso queiramos priorizar a vida e o respeito às coisas da natureza, deve incluir a cooperação, a partilha, a solidariedade, a comunhão, o compartilhamento, o respeito aos limites da natureza e, antes e acima de qualquer outra coisa, às pessoas.
Definitivamente, o projeto econômico precisa estar à serviço da vida em todas suas dimensões, incluindo, principalmente, a perspectiva ecológica, incorporando assim, por exemplo, à ideia da economia verde, definida pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUMA) como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica”.
Urge condenarmos o modelo capitalista espoliador aí posto, visto que esse é criminalmente responsável pelos danos ora vivenciados. Já passou da hora de vivenciarmos um novo modelo de economia que seja capaz de incorporar à dimensão ambiental e valorizar definitivamente a perspectiva social. A vida tem pressa e o relógio do tempo passa rápido demais. Não nos esqueçamos disso!

















segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


Não no Natal


Ana Claudia

...e eu fazia parte do grupo dos que acreditavam, eu era daquelas que – como uma boa criança da década de setenta – acreditava.

Junte-se à infância,  o fato de que foi um tempo vivido no interior mineiro, ou seja, com tudo aquilo que transborda em causos, lendas, sonhos e outras tantas histórias e que torna a vida mais fácil de ser vivida ( e eu lamento pelas crianças que não podem viver essa fase de forma despreocupada e lamento por quem não levará, pelo menos, algumas boas recordações dessa época).

O natal deveria ser um tempo à parte...


Quando dezembro apontava na folhinha o ar já estava há muito impregnado do cheiro das mangas – era (é) um cheiro adocicado –porque todos os quintais eram imensos e tinham muitos pés de manga (abóbora, três anos, espada, coquinho: nomes que mudam conforme a região como já percebi) - e as serras ao redor da cidade ficavam constantemente azuladas porque as chuvas não paravam.

E isso era maravilhoso: como eu gostava daquelas chuvaradas de dezembro que enlameavam as ruas, deixavam os paralelepípedos dos calçamentos escorregadios e faziam com  que o ar, sempre úmido, retivesse ainda mais o aroma das mangas e os outros cheiros dos tantos 'matos' que havia naqueles nossos quintais: hortelã, laranjas, mamoeiros, erva cidreira, dama da noite...

O natal era isso: o tempo das férias escolares, de poder brincar por esses quintais construindo nossas fantasias infantis sob a forma de circos, cabanas e  teatrinhos. Também havia as novenas natalinas nas casas uns dos outros,  o retorno dos que estavam longe, as muitas e pequenas alegrias que permaneceram tão incrustadas na memória que dezembro ainda é, para mim, o mês mais querido e desejado.

Natal pós-moderno

Na TV anunciam sem parar televisores de não sei quantas polegadas por um valor X, e celulares e câmeras e carros e não sei mais o quê.  Uma amiga me contou que viu a cena num grande supermercado: a família toda – pais e dois filhos – tentando enfiar uma TV gigante dentro de um carro popular. Ela não esperou pra ver se a coisa coube lá.

As crianças devem ter o direito de acreditar em anjos, pelo menos nessa época. 
















Consumismo sempre houve e sempre haverá: é a mola do mundo capitalista e não sou eu quem vai ficar escrevendo sobre o quanto isso é ruim para o planeta e o quanto isso torna os seres humanos fúteis, mesquinhos ou rasos.

Eu também esperava ansiosa pelos presentes dessa época natalina, às vezes havia, às vezes, não; e isso era bem frustrante confesso, mas o fato é que os natais da minha infância eram feitos de outras coisas e essas sim, é que eram  importantes: estar perto da família, andar pelos quintais (sempre e sempre), brincar muito, rir bastante, a vida era de uma riqueza enorme (com ou sem presentes).

Nessa esquisita crônica ‘de natal’ (sim, era essa a minha intenção) o que eu queria, na verdade, é saber se as crianças de hoje estão conseguindo viver isso nas suas infâncias. Saber se elas estão conseguindo acreditar, se elas estão podendo brincar nos seus mundos fantasiosos, mesmo com essa avalanche de notícias ruins que não cessam, mesmo com todas essas propagandas gritadas (porque eles agora gritam? Os locutores dessas propagandas?! Essa moda horrorosa foi lançada pela Casas Bahia, acho) para que se comprem TVs enormes que talvez nem vão caber nos apartamentos minúsculos de hoje.



 Não há nada de errado em se comprar coisas, mas quando TUDO vira somente isso, penso que sim, há algo de errado. Ora, mas não é justamente no natal que se deve comprar e trocar presentes? Sim, que se comprem coisas e que as crianças ganhem presentes porque ficarão felizes, mas que o natal não se torne somente isso.

Como assim? O natal há muito já é somente isso!, diz a minha voz racional.

Então, peço que vocês perdoem meu anacronismo e total ausência de senso de realidade real (estamos em dezembro de 2012 Ana Claudia!) só sei que se eu pudesse colocaria todas as crianças num lugar perfumado e elas ficariam rodeadas por grandes árvores que refrescariam o ar e o céu seria azul bem azul e nada disso que nos atormenta, a nós adultos, chegaria até elas, pelo menos não no natal.

E elas ganhariam presentes mas haveriam de se lembrar de muito mais coisas, além disso, em seus futuros.




Geraes de Minas



          Pequizeiros, ipês e o cerrado

                                                                  Paulo R. Santos


Ipê amarelo: um dos símbolos de Minas.



O que seria de Minas sem os pequizeiros, os ipês (amarelos, brancos, rosas, roxos … desaparecendo lentamente), o barbatimão já quase inexistente; sem os cupinzeiros, as árvores e sementes de cascas grossas para poderem resistir ao fogo anual de todo julho-agosto?

O que seria de Minas sem esse jeito de savana ?

Sim! Minas não é só barroco e 'uai'. Minas não é só Drummond, Guimarães Rosa e Ziraldo. Há anônimos e anônimas fazendo coisas de maravilhar aí pelas Gerais. Minas dos muros de pedras, das valas que separaram fazendas e sesmarias em séculos passados, mas não tanto. A culinária africana tão presente, e aquele jeito de falar cantado (dizem os 'forasteiros'), com um sotaque diferente, como tantos sotaques diferentes por esse imenso Brasil de norte a sul, de leste a oeste.

O diminutivo em inho e inha, herança do jeito africano de falar. Esse diminutivo de carinho que tomou o lugar do ita, dos tempos em que o Brasil pertenceu à Espanha, que já dominou Portugal em tempos idos, levando junto as colônias.

Minas não é composta só de minas, lavras e de trilhas, de pousadas e de casario colonial, de heranças de  um passado que – ainda e sempre – , insiste em ser tão presente! Reencarnação existe? Se sim, então estamos todos de volta!

Minas tem a locomotiva industrial como vizinha ao sul. Tem a chamada 'cidade maravilhosa' a leste e uma parcela de si, a oeste. Sim! Pois, Goiás foi se formando com o fim do chamado 'ciclo do ouro' e muitos mineiros foram se transferindo pra lá. Ao norte, a Bahia de todos os santos e orixás ! Talvez nosso ‘parente’ mais próximo.

As Minas são muitas e são extremas. Numa pequena cidade interiorana mais afastada pode-se ouvir um linguajar de cem anos atrás, enquanto na grande Belo Horizonte encontramos de tudo um pouco; do melhor ao pior, como em toda capital. Há violência e morte e também muita vida, exuberante, e oportunidades várias.

Das muitas Minas, cada mineiro traz uma em particular no coração, apesar de amar a todas.  Os erros e acertos, se existirem, dos políticos que por aqui fazem e acontecem não chegam a perturbar uma certa lentidão natural das Gerais e dos geralistas nativos. Parece que o mineiro fareja que nem toda novidade é boa!

Minas ainda vai durar muito tempo, mesmo vendo seu cerrado sendo devastado, sua cultura sendo mutilada; ilhas de fauna e flora nativas em meio aos mares de eucaliptos. Um povo que não tem pressa em sair de sua região, e quando o faz é por necessidade profissional ou familiar. Principalmente os mais jovens se veem frequentemente nessa contingência, diante das necessidades criadas pelo neocanibalismo, digo, neoliberalismo, já moribundo … ainda bem!

Paulo Santos é sociólogo e edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/


Meu País




Qualidade de vida: codinome do desenvolvimento econômico

Marcus Eduardo de Oliveira 


 "A ideia de melhorar qualitativamente uma economia buscando no curto prazo crescimento econômico, só faz sentido se esse ganho não ficar restrito aos aspectos econômicos; ou seja, é necessário que se estenda as benesses do crescimento para o lado social, priorizando, para tanto, a adoção de uma agenda social com significativos compromissos que fomentem a melhoria da “qualidade de vida”, codinome do desenvolvimento econômico.



  


Dito isso, é oportuno apontar que na esteira desse crescimento econômico é de fundamental importância atingir alguns pontos: 

1. Eliminar a pobreza absoluta; 
2. Melhorar a qualidade do capital humano; 
3. Destruir os mecanismos que permitem concentrar a renda; 
4. Romper sistematicamente com o círculo vicioso da pobreza (baixa escolaridade, subemprego, baixo nível de investimento). 

Além disso, é indispensável universalizar o acesso aos serviços sociais, em especial à educação e ao sistema de saúde. O nome disso tudo, é importante repetir, é “qualidade de vida”; nos dizeres dos economistas: desenvolvimento econômico.


Conquanto, há caminhos a serem trilhados para se chegar lá. Um deles aponta para a necessidade de saber algo imperioso: crescer economicamente reduzindo, em paralelo, os graves níveis de desigualdade social é uma condição dada, no curto prazo, pela disponibilidade física dos recursos; até mesmo porque “crescer” significa “destruir”. 


Em outras palavras, não há crescimento econômico se não houver utilização dos recursos. Entretanto, não há recursos em quantidade ilimitada para um crescimento sem margens.


Dessa forma, é interessante ter em conta que há uma relação sintomática (de causa e efeito) entre a economia e o meio ambiente. Há um considerável grau de dependência por parte da economia em relação à natureza. Nunca é demasiado reiterar que toda e qualquer produção advém de recursos extraídos da natureza. Acontece que no afã em se buscar a qualquer custo as “consagradas” e elevadas taxas de crescimento da economia, pois é justamente assim, de forma errônea, que a economia tradicional identifica progresso material interpretando-o como sinônimo de riqueza, pouca atenção e visibilidade tem sido dadas aos aspectos físicos, a existência de limites naturais. 


O fato, claro e certeiro, nesse caso, é que nossa economia só atingirá real eficiência pelos caminhos que a levam a uma melhoria da qualidade de vida de todos quando, finalmente, promover alguns aspectos essenciais: universalizar a democratização social, gerar emprego com renda suficiente e aumentar o tempo médio de estudo da população que hoje não passa de oito anos. 


Sobre esse último ponto, caso queiramos de fato consolidar nossa posição como um país moderno, não podemos aceitar que apenas 15% da população tenha mais de 12 anos de estudos. 




Não adianta vendermos aviões ao mercado externo se ainda nem mesmo sabemos ao certo como tratar os 43 milhões de toneladas de lixo que são produzidos nesse país ao ano.

Uma nação próspera, capaz de atenuar seus vários desequilíbrios socioeconômicos, principalmente do ponto de vista das conquistas sociais (baixar a taxa de mortalidade infantil, universalização do ensino, renda per capita compatível, mercado de trabalho eficaz e meio ambiente respeitado) se faz com a universalização das condições adequadas para a promoção dessas melhorias. 


Para tanto, urge promover um ensino de qualidade com desenvolvimento de pesquisas em áreas cruciais do conhecimento, priorizando a ciência e a tecnologia, gerando bons empregos que exerçam, como contrapartida, uma justa distribuição de renda. Sem a generalização dessas premissas, nada avança, exceto os índices de miséria e pobreza crônicas.


Em outras palavras, não adianta, por exemplo, ocuparmos a sexta posição no ranking mundial de produção de veículos (em 2010, foram produzidos 3,6 milhões de unidades) se não melhorarmos as vias e as rodovias para essa circulação (temos mais de 1,7 milhão de km de malha rodoviária, mas apenas 170 mil km estão pavimentados e há uma “pesada” relação de seis habitantes por carro). 





Em outras palavras, não adianta, por exemplo, ocuparmos a sexta posição no ranking mundial de produção de veículos (em 2010, foram produzidos 3,6 milhões de unidades) se não melhorarmos as vias e as rodovias para essa circulação (temos mais de 1,7 milhão de km de malha rodoviária, mas apenas 170 mil km estão pavimentados e há uma “pesada” relação de seis habitantes por carro). 



De nada adianta sermos o quarto país que mais vende automóveis no mundo (3,5 milhões, somente em 2010); o maior produtor de aço da América Latina; de sermos detentor da 3° maior frota aérea do mundo (mais de 11 mil aeronaves e 32 mil pilotos em atividade) se 1/3 (absurdamente mais de 30%) de nossas residências ainda não têm acesso a encanamento (esgoto) e muitos desses sem acesso à água potável. 

Não adianta prosperar de um lado, se, do outro, de cada mil crianças nascidas, 14 morrem antes de completar seu primeiro ano de vida. 




Não adianta vendermos aviões ao mercado externo se ainda nem mesmo sabemos ao certo como tratar os 43 milhões de toneladas de lixo que são produzidos nesse país ao ano. Em que pese os avanços alcançados nos últimos anos do lado social – e foram muitos -, principalmente os que respondem pela expectativa de vida – hoje é de 75 anos ante os 31 anos registrados em 1900 – acrescido do aumento na renda per capita e na possibilidade de se construir um mercado de consumo de massa amplo, o fato inexorável é que se faz necessário promover de forma rápida taxas de crescimento econômico que se convertam em condições de dignidade, em respeito à vida daqueles que mais sofrem. Sem isso, a qualidade de vida se distancia cada vez mais.


Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo). Especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre (USP). prof.marcuseduardo@bol.com.br










segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Na senzala com Danuza

Ana Claudia Vargas


Querer ser ‘especial’ é normal, mas isso não é para qualquer um não...


E então a Danuza meio que reclamou, na Folha¹ de ontem, do fato de que agora até porteiro de prédio pode viajar para o exterior pagando em não sei quantas vezes a viagem e diante dessa (suposta) facilidade concedida aos seres dessa categoria, ela pergunta: ‘qual é a graça?”.

E aí ela destrincha uma lista de coisas que antes eram ambições somente dos que tinham grana, mas que hoje estão disponíveis para qualquer um (que desplante!) que esteja disposto a parcelar e parcelar. Além das viagens, há os apartamentos, os carros, os brinquedinhos tecnológicos e tudo o mais que pode ser comprado para que a gente tenha a ilusão de que faz parte disso ‘tudo’, digo, das benesses da modernidade.

E então, primeiro (guiada pelo senso comum) eu a achei extremamente preconceituosa e fiquei pensando ‘também sendo ela quem é só poderia escrever esse tipo de coisa mesmo’ e etc. (A gente não pode esquecer que ela só se tornou colunista porque há mil anos foi casada com o Samuel Wainer.  É mais ou menos isso: ‘Diga-me com quem fostes casada e eu te direi que cargo ocuparás no jornal X’ . Apesar disso, se ela está aí há tantos anos e já escreveu até livros, e se seu texto faz com que as pessoas o discutam e escrevem sobre ele (!) é porque ela tem algum talentinho pra coisa, devo dizer).


Renata R. Inforzato
A visão desse símbolo de refinamento agora é para qualquer um....pode?!
Afinal...
(foto: Renata Inforzato*)





















Assim, pensando pelo lado do ‘talentinho’, acho que ela conseguiu até soar um pouco irônica em alguns trechos e daquele seu modo ‘carioca burguês’ de ser, ela faz uma leve criticazinha à onda consumista que parcela desde alimentos até viagens para África em trocentas vezes e nisso, eleva à condição de consumidores não refinados, pessoas que vão à Paris não para apreciar a verdadeira obra de arte a céu aberto que (dizem) é aquela cidade e sim, para comprar lembrancinhas para os parentes que moram nas periferias paulistanas, cariocas, mineiras e/ou soteropolitanas. 

Gente que nunca leu Proust ou Flaubert, ora essa!  Como ousam?!


Gentalha!**

Enfim, há um bando (e bando é a palavra certa) de gente viajando e consumindo desesperadamente porque é também cada vez maior o desapego das pessoas por coisas como livros (como ela fala no finalzinho, aliás**), pela apreciação do ‘mundo’ a partir dos lugares em que moram – por que ser um pé rapado na Europa ainda é mais chique do que ser pé rapado no Brasil? Pois é isso o que (imagino) pensa quem parcela viagens em 250 vezes para a Inglaterra, quando poderia (porque não?) conhecer o interior do Brasil (não estou falando dos lugares turísticos e sim de qualquer lugar, porque qualquer lugar na França ainda parece valer mais do que os melhores lugares de São Paulo ou Salvador) – digo, serem capazes de ‘olhar’ para seus bairros e cidades com algum apreço e desejo de conhecer mais sobre a história desse lugar. Talvez a gente ainda precise é aprender a ser brasileiros com alguma estima pelo fato de ter nascido aqui nesse país (nada a ver com orgulho e/ou isso de futebol + carnaval + novela brasileira e de achar que nós sempre precisamos criar uma imagem legal para eles, os estrangeiros; quando se sabe que eles vendem a imagem que querem pro resto do mundo e não estão nem aí... ).



Renata Inforzato
...quem você pensa que é pra pisar nestas pedras....

Mas quem não enxerga seu próprio país é certo que vai sair aí pelo mundo não enxergando muita coisa, aliás, na atual conjuntura, quem é que está querendo enxergar alguma coisa, não é mesmo?

O importante é consumir bastante, viajar e postar no ‘face’ as fotos diante dos pontos turísticos: ‘ver e ser visto’.

A Danuza talvez  esteja certa ao olhar pra tudo isso com o velho desdém (como disse, não podemos esperar muito dela, não é o caso) de quem sempre ‘viu’ (?) esse país de cima pra baixo (como acontece com quase todos os nossos colunistas), afinal, para quem esteve sempre acostumada a ser especial saber que essa frágil condição está cada vez mais ameaçada  nesse nosso pós-moderno, pré-apocalíptico (!) e suspenso em ondas de violência lá na faixa de gaza e aqui, na perifa paulistana... não deve ser fácil (tadinha dela, fiquei com pena...rs).


Humanos...ou não?



Pra terminar: que bom seria se todos os humanos – afinal, não somos todos ‘humanos’? Ou uns são mais humanos que outros? – pudessem sempre e sempre, viajar para a Europa ou pra Quixeramobim, comer em lugares refinados, estudar em boas escolas, ouvir boa música, mas para isso precisaríamos nos humanizar (estranho isso, visto que a priori, já somos humanos) e querer criar guetos e separações – como estamos vendo isso não tem dado  certo com os palestinos e israelenses, eles também se acham uns mais especiais que os outros; do mesmo modo que os alemães em relação aos judeus e etc. – não é a melhor saída, penso eu.




Renata R. Inforzato
...ou pra ver paisagens deslumbrantes como essa? Contente-se em olhar para o Tietê e/ou para  os morros periféricos!

E, apesar da ironia e de ter sido capaz de ‘ver’ isso no texto com uma ajudinha (é bom ter amigos inteligentes rs) eu ainda acho que a Danuza, bem lá no fundo, deve ter uma baita saudade dos tempos em que cada pessoa sabia ‘o seu lugar’. Do tempo em que empregadas domésticas eram obrigadas a dormir no emprego, do tempo em que brancos e negros eram somente brancos e negros e isso estava determinado por leis estatais que definiam até onde uns e outros poderiam se sentar nos transportes públicos.

Talvez ela devesse se mudar pra Índia, porque apesar das mudanças (ah, pós-modernidade, quantas guerras étnicas ainda vais causar?!) lá as tais castas ainda insistem e resistem e foi a pouco que (por exemplo) o estupro de mulheres de certas castas por homens de castas superiores, se tornou crime (quer dizer, as mulheres estão na batalha pra conseguir efetivar isso).

Viajei? Acho que um pouquinho, né?  É que ainda acho que todo ser humano deveria ser especial e enquanto a gente não souber enxergar isso uns nos outros, o mundo vai continuar sendo isso aí que tem sido e eu não vejo graça nenhuma em saber disso.

Com ou sem ironia.



 * Impossível não lembrar do Chaves (é eu acho graça naquilo) na hora em que o Kiko diz indignado e pulando rs "Gentalha! Gentalha!" rs

* Minha amiga Renata Rocha Inforzato é jornalista e está morando em Paris há mais de um ano. Ela é gente boa demais da conta, emprestou essas fotos lindas, anda por lá fazendo amizades porque como pessoa do bem, faz amigos onde quer que vá! Ela edita esse charmoso blog que vale (muito) a pena visitar sempre:




Seção Geraes de Minas


Hoje, mais uma vez o sociólogo Paulo Santos vem nos brindar com mais um texto que ilumina as muitas faces das Minas Gerais e, ninguém melhor pra falar de mineiridade, do que o Rosa com _ como bem diz o Paulo  -  'suas histórias (...)  cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo...". No texto abaixo, o Paulo explica porque o Rosa tem essa facilidade em revelar (e a palavra certa é bem essa) essas nuances mineiras mas tão universais. Ele ainda sugere um curta-metragem baseado no (grande) Grande Sertão Veredas.

Boa leitura, portanto!


Minas, segundo Guimarães Rosa



                                                                 Paulo R. Santos

Muita gente já escreveu e escreve sobre Minas. Mas - a maioria certamente -, escreve sobre Minas olhando de cima para baixo, ou da Casa-grande para a Senzala, se o leitor preferir. Guimarães Rosa viu Minas na horizontal, ao nível do solo, e o que viu e viveu descreveu em seus contos e romances  mágicos.

Ninguém escreveu e falou mais sobre os heróis obscuros e anônimos do que ele. Suas histórias estão cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo;  histórias cheias de mulheres que sofrem e choram. Umas se resignam, outras se vingam. Tiros e facadas, bois fora de controle, uma natureza que faz e desfaz as coisas de uma hora para a outra. A fé misturada em tudo!

No Grande Sertão: Veredas, tem lugar para o sofrido amor entre o jagunço Riobaldo e Diadorim dos olhos de buriti. Tem espaço para estranhos códigos de honra. Não se pode trair o bando e nem falar mal da mãe de ninguém. A mulher tem presença forte, e é o Riobaldo quem diz sobre as prostitutas, que elas são como irmãs. Ou “tudo que é bonito é absurdo”. Riobaldo, com o coração dividido entre Otacília, Nhorinhá e Diadorim !




“Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é a minha neblina” (G.R)




Guimarães Rosa foi buscar na fonte as origens e raízes de Minas. De uma Minas que desaparece lentamente, engolida por um tal de progresso que passa e mata que nem o bando do Zé Bebelo. O mineirês usado em seus livros também vai sumindo, com a morte dos últimos falantes desse jeito de conversar com o corpo e com a boca, enquanto a colonização de um estado sobre outro vai se consolidando pelas telenovelas de gosto duvidoso.

A jagunçagem hoje é feita por gente de terno e gravata; discursos limpos por fora e podres por dentro. Os bandos se apresentam na forma de siglas que pouco significam para os mais pobres e simples. Minas ficou cheia dos Hermógenes e por aqui nem o Demo faz careta mais. Hora de buscar conselho com o compadre Quelemém!


                                              …...........................

Curta-metragem de Marily da Cunha Bezerra, baseado em um episódio de "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa.


Riobaldo conta o encontro que teve aos 14 anos no porto do Rio de-Janeiro, com um belo e estranho menino chamado Diadorim, e a posterior travessia pelo Rio São Francisco, que os levará à descoberta do amor, do medo e da coragem.
Direção e Roteiro: Marily da Cunha Bezerra
Direção de Arte: Kátia Coelho
Montagem: Sarah Yakhni
Trilha Sonora: Badi Assad 
Narração: José Mayer
Elenco: Nana de Castro, Cristina Ferrantini, Evandro dos Passos Xavier, Paulo de Souza, Manuelzão, D. Didi